Há um certo consenso no pensamento crítico de que ao longo ciclo expansivo do segundo pós-guerra aos anos 70 do século passado, se sucede um ciclo recessivo do capitalismo em escala mundial, em que estamos imersos até hoje. Isto se deve a que a desregulamentação promovida pelo neoliberalismo produziu uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo ao financeiro – sob a forma especulativa -, porque o capitalismo não está feito para produzir e sim para acumular. Se os capitais encontram melhores conduções de ganho na especulação – como passou a acontecer – se transferem e se concentram maciçamente aí.
A hegemonia do capital financeiro, por sua vez, representa um freio à expansão da produção, ao mesmo tempo que agudiza a contradição entre a produção e o consumo. O capital financeiro, ao viver da compra e venda de papeis, não tem interesses na extensão do mercado popular de consumo, nem na geração de empregos. Tem assim dificuldades de gerar suas próprias bases sociais de apoio, salvo setores mais restritos da classe média alta. Daí também seu esgotamento relativamente prematuro, ao desembocar em derrotas políticas.
Porém, as próprias transformações operadas pelo neoliberalismo dificultam a construção de alternativas a ele – seja por sua auto-reforma, seja pela sua superação. A desregulamentação econômica, a hegemonia dos mecanismos anárquicos de mercado, o enfraquecimento dos Estados nacionais, a fragmentação social – tudo gera situações de crises hegemônicas, em que o velho – o neoliberalismo – sobrevive, a preços cada vez mais caros, enquanto as vias da sua superação encontram dificuldades para se impor.
O maior drama do nosso tempo vem de que, enquanto o capitalismo exibe abertamente seus limites e contradições, escancara, na crise atual, sua impotência para solucionar os próprios problemas gerados por ele, o socialismo e os fatores para sua construção também sofreram vários retrocessos, com a desmoralização do socialismo, das economias planificadas, do Estado, da politica, dos partidos, das soluções coletivas aos problemas da sociedade. Abriu-se assim um longo período de crise hegemônica, de disputa pelas alternativas ao neoliberalismo, que não deve ter solução em prazos curtos, enquanto o próprio sistema atual não consiga gerar alternativas para sua recomposição – sempre mais conservadora – e não se consiga ainda recompor as forcas sociais, políticas e ideológicas que possam dirigir uma superação do neoliberalismo e do capitalismo. Um longo período de turbulências e instabilidades, em que as crises serão mais regra do que exceção.
A essa instabilidade econômica haveria que agregar a instabilidade geopolítica mundial, produto do enfraquecimento da hegemonia global norteamericana, sem que surjam ainda no horizonte forças que possam deslocá-lo desse lugar e substituí-lo, numa dinâmica de construção de um mundo multipolar.
A crise surgida em 2008 não é uma crise cíclica tradicional do capitalismo, da qual ele costuma emergir queimando estoques, empregos, com grandes retrocessos, em que o mercado depurava as empresas mais frágeis e se retomava o ciclo expansivo, a partir de um nível mais baixo. A discussão sobre a forma da crise iniciada naquele momento – se em formado de V ou de W – vai se revelando claramente a favor deste ultimo, com perspectivas de sucessivas e reiteradas recaídas, como esta, de 2011.
No primeiro momento, a crise – que significativamente apareceu no setor financeiro, mediante créditos fictícios, que finalmente explodiram e deram início a um processo recessivo do conjunto das economias do centro do capitalismo – foi combatida com a recomposição do setor financeiro, privilegiado nos apoios governamentais. Os governos salvaram os bancos, acreditando que os bancos salvariam os países. Os bancos se salvaram a si mesmos e deixaram os países abandonados à anarquia dos mercados especulativos.
Ha’ quem diga que seria a crise final do capitalismo. Giovanni Arrighi caracteriza a predominância do capital financeiro como uma marca do final de um sistema hegemônico – característica fortemente presente no estágio atual de crise do sistema capitalista. Immanuel Wallerstein se arriscou a predizer que o capitalismo deve terminar em 50 anos. Mas como o capitalismo nao é apenas um sistema econômico, mas também um sistema de poder – representado pelo imperialismo como poder hegemônico no mundo -, ele não se auto-destroi, não terminará se não for derrubado, não apenas por um projeto alternativo, mas pelas forças que este projeto consiga gerar, as previsões sobre o futuro do capitalismo – e da humanidade – dependem das lutas sociais, politicas e ideológicas e da capacidade de se gestar, nestas, as alternativas concretas ao capitalismo.
O neoliberalismo pode chegar a ser substituído – até por alternativas ainda mais conservadoras – no marco do capitalismo, sobrevivendo, com formas ainda mais reacionárias.
A crise econômica atual vê na Europa a substituição da vontade popular, expressa nas eleições, pela ditadura dos mercados que derrubam governos e elegem seus próprios governantes, destruindo as democracias e os Estados de bem estar social produzidos por décadas de lutas de lutas populares.
A verdadeira natureza da crise é assim uma crise de hegemonia, uma crise de alternativas, que deve ter um caráter prolongado, em meio a um mundo instável econômica e geopoliticamente. A construção de um mundo multipolar e de projetos pós-neoliberais é o objetivo imediato dos que desejam superar este mundo guiado pelas guerras e pelos mercados, que só tem trazido violência e sofrimento para grande parte da humanidade.
Nós, na America Latina, que lutamos pela construção dessas alternativas, sabemos o que significam esses sofrimentos – tivemos ditaduras militares e governos neoliberais – e como sua superação só pode se dar com políticas de paz e de negociações políticas dos conflitos, e com políticas econômicas e sociais de desenvolvimento com democratização social.