Costuma-se dizer inexistir grau de importância entre os direitos constitucionais. Consagrados na Constituição, não haveria hierarquia entre os direitos. Pura balela teórica.
Não há dúvida de que o direito mais importante que temos é o direito à vida. Tudo o mais decorre dele e serve apenas – ou deveria servir – para lhe acrescentar a ideia, consagrada pelo Cristo, de vida em plenitude, abundante, que não pode ser privada de se tornar feliz.
Ao longo de muito tempo, as Igrejas Cristãs, para justificar o injusto – fundamentalmente a pobreza, a escravidão e o machismo – cultivaram para os pobres e para as mulheres a convicção de que essa busca da felicidade não era terrena. Aqui, o sofrimento em imitação a Jesus. Pelo sofrimento, a alegria eterna depois da morte. Nada, ou quase nada, possuir seria, nessa linha de raciocínio, a verdadeira busca da felicidade. As surras e a humilhação, o ápice da glorificação.
Acontece que as pessoas não se submetem eternamente à opressão. No nosso meio, negros, pobres e mulheres lutaram e lutam para construir a felicidade, a justiça, a igualdade (o Reino de Deus) aqui na Terra. Em dados instantes, com a participação efetiva de sacerdotes, daqueles que conseguem ler sem torpeza o Sermão da Montanha.
Nessa luta pela conquista da vida plena, são expostos ao confronto, mais das vezes, direitos consagrados na Constituição. Principalmente o chamado direito de propriedade.
Esse direito, em seu surgimento, objetivava a proteção das pessoas do povo contra o Príncipe, pois esse, acaso e quando desejasse, poderia se apropriar de tudo que pertencesse aos indivíduos e os deixar à míngua. Mas, quase instantaneamente, passou a justificar a apoderação indiscriminada de bens pela burguesia e a proteger eternamente esse novo senhorio contra os despossuídos. Tornou-se o direito de propriedade de alguns.
A Constituição brasileira, pela força dos movimentos sociais, introduziu, entre nós, a necessidade do atendimento à função social da propriedade e criou mecanismos de reparação – embora mínimos – de mazelas históricas impostas, inicialmente aos amerígenas e, depois, aos negros. Surgiu a concepção de que não se poderia garantir o direito DE propriedade, mas o direito À propriedade. Deu-se mais um passo na dura caminhada em busca da garantia da vida abundante para todos, não apenas para poucos.
Mas esse percurso é pleno em intempéries. A reação dos poderosos, essa sim, se dá – para fazer uso inverso e deturpado de mote conhecido do MST – na lei ou na marra. Quando não conta com a leniência, a complacência e à submissão do Estado – ou mesmo contando com elas – parte-se para a violência.
Ainda repercutem, por aqui, as ameaças de morte sofridas por Ana Lucia, por Padre Isaias, pelo Vereador Ninho e lideranças quilombolas do Brejão (que, após muitos anos de medo e autonegação, descobriu-se dos Negros), povoado de Brejo Grande.
Negros, pobres e mulheres ajuntaram-se para lutar pelo Direito à Vida plena em Brejão dos Negros. Aqueles que se mantiveram calados e submissos por séculos se libertam das correntes que os prendiam. E tudo isso nos arredores do dia 08 de março. Quanta alegria causa o despertar da Libertação!
Com o auxílio decisivo da deputada Ana Lucia, da Igreja engajada na vida do povo e sob a proteção da Constituição e do Estado, começam a conquistar o Direito à Propriedade, despertando a reação violenta dos antigos senhores.
Essas ameaças, muito embora já façam parte da rotina histórica das lutas populares, causam revolta entre aqueles que defendem um país mais justo e precisam ser reprimidas com veemência para que não se cogite interromper a construção do mundo melhor com que todos sonhamos. O Estado e a sociedade não podem deixar que feneça, novamente, a Boa Nova.