Em dezembro de 2011 a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) divulgou para o mundo a situação de epidemia de fome na Somália, país africano situado na parte leste do continente, chamada de chifre da África. Segundo a FAO, aproximadamente, 750 mil pessoas, nos próximos quatro meses, podem morrer de fome caso não haja uma resposta adequada para o problema. O país enfrenta longos conflitos internos e a mais intensa seca dos últimos 60 anos.
O estado de fome atinge cerca de quatro milhões de pessoas e já se espalhou por todo país. Um levantamento de agosto de 2011 encontrou índices de desnutrição aguda e alta taxa de mortalidade na área. A ONU considera um país em estado de fome quando pelo menos 20% das residências encontrem-se em situação penúria alimentar e 30% da população com desnutrição aguda, bem como a taxa de mortalidade seja de duas para cada 10 mil pessoas por dia.
Na Somália as crianças são a maioria das vítimas, pois o índice de subnutrição ultrapassa 30% da população infantil. Seca, guerras civis, restrições à ajuda humanitária e caos político resultam numa crise de fome que afeta 12,5 milhões de pessoas que vivem na região do Chifre da África, que inclui Djibuti, Etiópia, Quênia, Somália e Uganda. A epidemia de fome já é considerada a pior deste século. Entretanto, a situação é mais grave na Somália, onde 29 mil crianças morreram nos últimos três meses, uma média de 300 por dia e 640 mil estão subnutridas, podendo morrer nos próximos meses. Cerca de 3,2 milhões de somalis, quase metade da população, dependem de doações de alimentos para sobreviver.
A estiagem no Chifre da África é a mais severa dos últimos 60 anos. A seca prejudicou a produção de alimentos, reduzida a um quarto do necessário para alimentar a população. Estudos apontam que o aquecimento global teria agravado, ainda mais, as estiagens comuns nessa região africana que tem a economia centrada na produção agrícola para exportação.
A Somália não possui governo desde 1991, quando o regime de Siad Barre foi derrubado por milícias armadas, dando início a uma guerra civil. Um governo provisório foi instaurado em 2004, mas não foi reconhecido pelas milícias e nem pela própria população. O país é considerado um dos mais pobres do mundo. Os grupos armados que controlam regiões do país impedem que a população recebam mantimentos de agências, como a Cruz Vermelha Internacional. A guerra também destruiu a infraestrutura do país, dificultando o acesso às áreas mais críticas e a produção agrícola.
Diante das dificuldades, a ajuda humanitária enfrenta obstáculos para levar e distribuir alimentos no país. Em busca de alimentos os somalis estão fugindo para campos de refugiados situados na capital do país Mogadíscio. Esses campos de refugiados já acumulam mais de 400 mil pessoas. Outros atravessam a fronteira com o Quênia em direção ao campo de refugiados de Dadaab, o maior do mundo, no qual vivem 440 mil indivíduos.
O governo dos Estados Unidos é o maior financiador das agências humanitárias. O governo brasileiro anunciou o envio de quase 72,5 mil toneladas de alimentos à Somália, Etiópia e Quênia. O Brasil está entre os dez maiores doadores de fundos para os países africanos assolados pela fome.
Entretanto, chama atenção que os noticiários não buscam explicar para a população porque esses países africanos sofrem, há tanto tempo, com a fome, as secas e as guerras. Para entendermos esse processo vamos a alguns fatos:
1- As riquezas controladas pelas multinacionais e as ajudas humanitárias
O processo de colonização vivido, no passado, pelos países africanos significou a exploração (roubo) das riquezas existentes pelas nações europeias. Os colonizadores europeus utilizaram na força militar para impor aos povos africanos seu modelo de sociedade concentrador e excludente. Nesse modelo, os colonizadores usavam tribos para explorar e escravizar outras. Assim a população nativa era estimulada pelos europeus a divisão e ao revanchismo. Esse processo foi estimulado, também, no período de disputa que se estabeleceu na Guerra Fria quando aconteceu o processo de descolonização (independência) dos países africanos.
Assim, a colonização gerou dupla consequência perversa para os países africanos: a exploração (roubo) das riquezas e o estímulo à divergência entre os povos (tribos) existentes nos países. A partir desse processo, podemos entender os conflitos e a pobreza da população africana.
Atualmente a colonização continua existindo e ela acontece de forma mais intensa e destruidora. No passado, as nações europeias colonizavam os povos através da força militar. Hoje as empresas multinacionais colonizam as nações através das alianças que realizam com um grupo dirigente que controla os países. Essa aliança acontece através do financiamento de golpes militares ou de campanhas eleitorais milionárias dos políticos aliados que são vitoriosos eleitoralmente, geralmente, comprando voto, fraudando urnas e até oprimindo as pessoas para votarem neles.
Entretanto, quando a situação de miséria da população chega à realidade da Somália ai entram as ajudas humanitárias. Mas quem financia essa ajuda humanitária? Quando visualizamos os Estados Unidos como os maiores doadores para ajudas humanitárias entendemos o significado dessas ajudas, pois quem mais ganha com a exploração das riquezas africanas são quem financia ajudas humanitárias. Essa postura serve para mascarar a exploração das riquezas dos países africanos responsável pela miséria que sofre o povo nos dias atuais.
2- Os conflitos resultado da guerra fria e os lucros da indústria de armas
O continente africano foi um dos principais palcos de disputas entre Estados Unidos e União Soviética no período da Guerra Fria. O ápice da disputa entre as duas nações aconteceu no momento em que os países africanos estavam conquistando suas respectivas independências. Assim, as duas potências mundiais, que polarizavam o mundo e passaram a interferir diretamente na vida política econômica e cultural da África. Tanto Estados Unidos quanto União Soviética passou a adotar políticas, de caráter diferenciado, mas tivessem como resultado final o apoio dos países ao modelo de sociedade capitalista(Estados Unidos) ou ao modelo de sociedade socialista(União Soviética).
Nesse cenário de disputa, as duas nações poderosas estabeleceram políticas de apoio financeiro e militar as nações que o apoiassem. Isso significou que os Governos dos países aliados passaram a receber muito dinheiro, exportações e importações subsidiadas e armas para defesa de seus territórios. Assim, iniciou, em praticamente, todo continente guerras civis. As guerras foram facilitadas pelas divergências que já existiam entre as tribos, estimuladas pelos colonizadores europeus.
As guerras foram, também, espaços importantes, para a indústria de armas das nações capitalistas desenvolvidas lucrarem muito. Como o discurso era a defesa do capitalismo, como pano de fundo, os Estados Unidos, juntamente, com essas nações adotaram uma política de apoio aos países aliados e de combate aos países que adotaram o modelo socialista. Nesse cenário de guerras, as empresas multinacionais dessas mesmas nações se beneficiaram muito. Elas passaram a assumir o controle das riquezas minerais, metais preciosos, fontes de energia(petróleo, gás natural, ouro, prata, diamante entre outras riquezas) e produtos agrícolas e pecuários que os países, considerados aliados, possuiam em seus territórios
As multinacionais de armas continuam lucrando alto com os conflitos atuais gerados após o processo de independência dos países africanos e a Somália é um exemplo para entendermos os interesses dessas empresas. Um estudo do Sipri (Instituto Sueco que estuda indústria de armamentos em todo o planeta) divulgou o seu relatório anual de 2007, o qual mostrou que a despesa militar no mundo em 2006 chegou a US$ 1,2 trilhão, um aumento de 3,5% em relação a 2005 e de 37% em 10 anos. Os maiores gastos internacionais foram dos EUA, que de 2001 a 2006 desembolsou um total de US$ 432 bilhões. Até o momento é o país que mais gasta em armas no seu orçamento trilionário, em torno 46% do total mundial. Sobre a venda de armas em todo o mundo, os EUA venderam em 2005 US$ 290 bilhões ou 63% do total e 32 empresas europeias são responsáveis por 29% do total. São essas empresas e esses países que ganham com os conflitos, vendendo armas para os dois lados.
3- A desertificação e o aquecimento global
Poucos lugares no mundo são tão vulneráveis às alterações climáticas, particularmente à seca, quanto à África. Da região do Sahel onde estão situados os países do Chifre da África sofrem bastante com o processo de desertificação fruto das fortes estiagens. E esse quadro deve piorar muito nos próximos 50 anos. O motivo é a emissão de gases pelos países desenvolvidos na atmosfera resultando no aquecimento global que devem aquecer os oceanos Índico e Atlântico, provocando uma verdadeira revolução do clima no continente. Outra questão são os desmatamentos resultado da exploração provocado pelas multinacionais na extração das riquezas agrícolas, naturais e minerais.
O desequilíbrio ecológico provocado pelo desmatamento e a escassez de medidas de preservação do ambiente constitui uma ameaça grave para a flora e a fauna do continente que afeta os setores econômicos dos países, prejudicando, diretamente, a população pobre. A desertificação e a perda de terras agrícolas ameaçam cerca de 46% da superfície total do continente africano com sérias consequências para economia dos países.