Para entender as 11 regras de Bill Gates: “O que as escolas não ensinam”

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robertosantos

Deparei-me, recentemente, com matéria publicada em robertosantosum grupo de debate no facebook que tem, na sua maioria, professores participando. A matéria tinha como título “O que as escolas não ensinam”. Fiquei interessado em sabe o que as escolas não ensinam, pois na minha avaliação, as escolas ensinam os diversos componentes curriculares que permitem uma variedade de ações no ambiente escolar: debates, produção artística, música, dança, produção de texto, pesquisas, excursões, recitais etc.

O choque foi ver quem tinha escrito a matéria, o fundador da Microsoft, Bill Gates. Esse cidadão foi convidado por uma escola secundária para uma palestra, chegou de helicóptero, tirou o papel do bolso onde havia escrito onze itens, leu tudo em menos de 5 minutos, foi aplaudido por mais de 10 minutos sem parar, agradeceu e foi embora em seu helicóptero. Mas efetivamente, o tratam essas 11 regras?

Regra 1 – A vida não é fácil: – acostume-se com isso.
• A escola deve ensinar as crianças e adolescentes que a vida não é fácil é transformá-las em seres dóceis que não lutem para mudar a situação de exploração e concentração de riquezas na sociedade capitalista. Os capitalistas querem transformar as pessoas a serem subserviente a dominação e a exploração.

Regra 2 – O mundo não está preocupado com a sua auto-estima. O mundo espera que você faça alguma coisa útil por ele ANTES de sentir-se bem com você mesmo.
• O modelo vigente de dominação quer nos convencer que a solidariedade de classe acabou e que ninguém está preocupado com o bem-estar da sociedade. Querem nos convencer que o caminho é o individualismo, o consumismo e a intolerância, ou seja, seres adaptados aos padrões do capital: Transformar-nos em consumidores, individualistas e intolerantes.

Regra 3 – Você não ganhará R$ 20.000 por mês assim que sair da escola. Você não será vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição antes que você tenha conseguido comprar seu próprio carro e telefone.
• A gravidade dessa “suposta” regra é que ela tenta nos convencer que todos podem conseguir ganhar, por mês, R$ 20.000, basta persistir. Entretanto, a realidade é bem diferente com o desemprego que atinge, principalmente, os jovens e a ausência de políticas públicas para promoção do emprego e trabalho tanto no Brasil quanto no mundo atingido pela crise do capitalismo que afeta os trabalhadores com o desemprego.

Regra 4 – Se você acha seu professor rude, espere até ter um Chefe. Ele não terá pena de você.
• A afirmação de Bill Gates tenta nos convencer que as escolas devem ensinar aos alunos a aceitar o assédio moral do chefe, caso consiga um emprego. A subserviência às regras do patrão, explorando e negando direitos, sem reclamar é o desejo de todo capitalista. O capitalismo quer que as escolas padronizem os futuros trabalhadores e o professor deve ser o instrumento para isso, se comparando a um chefe desrespeitador e mal educado que não promova o debate, nem mesmo a democracia na escola e em sala de aula para promoção da cidadania.

Regra 5 – Vender jornal velho ou trabalhar durante as férias não está abaixo da sua posição social. Seus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam de oportunidade.
• O que Bill Gates chama de oportunidade é escravidão. Assim, as escolas devem ensinar que os alunos, quando trabalhadores, não precisarão de férias, fim de semana remuneração para descanso, apenas os patrões precisam. Os empresários lutam para que os direitos dos trabalhadores não sejam respeitados e esse é um deles.

Regra 6 – Se você fracassar, não é culpa de seus pais. Então não lamente seus erros, aprenda com eles.
• Bill Gates defende que as escolas devem ensinar aos alunos que o fracasso é culpa do trabalhador. Mas quem avalia o fracasso? O que se entende por fracasso? Um trabalhador que luta por seus direitos, denuncia o patrão que desrespeita a legislação é fracassado? A idéia de fracasso e sucesso é relativa, depende do ponto de vista. Com certeza, o de Bill Gates é o ponto de vista dos patrões.

Regra 7 – Antes de você nascer, seus pais não eram tão críticos como agora. Eles só ficaram assim por pagar as suas contas, lavar suas roupas e ouvir você dizer que eles são “ridículos”. Então antes de salvar o planeta para a próxima geração querendo consertar os erros da geração dos seus pais, tente limpar seu próprio quarto.
• A gravidade da “suposta” regra é que a escola deve ensinar os alunos que não devem lutar para terem um futuro melhor. Os alunos precisam conformar-se com a violência, as drogas, a destruição ambiental, a concentração de riquezas e terras, a negação de direitos, os elevados lucros dos bancos e a ausência de políticas de inclusão social. A inoperância dos futuros trabalhadores é importante para que as empresas continuem fazendo as atrocidades ambientais e trabalhistas sem contestação, greves, ações judiciais, protestos e denúncias. Isso, com certeza, não interessa aos patrões.

Regra 8 – Sua escola pode ter eliminado a distinção entre vencedores e perdedores, mas a vida não é assim. Em algumas escolas você não repete mais de ano e tem quantas chances precisar até acertar. Isto não se parece com absolutamente NADA na vida real. Se pisar na bola, está despedido… RUA !!!!! Faça certo da primeira vez!
• Nessa “regra” Bill Gates defende que as escolas devem ensinar aos alunos que eles devem se entender como percas descartáveis nas empresas. A regulamentação da Convenção 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho pelo Brasil que proíbe as demissões imotivadas é tudo que eles não querem. Não podemos aceitar mais que os patrões tratem os trabalhadores desta forma. O fim das demissões imotivadas é a luta dos trabalhadores no mundo e os patrões querem impedir essa luta.

Regra 9 – A vida não é dividida em semestres. Você não terá sempre os verões livres e é pouco provável que outros empregados o ajudem a cumprir suas tarefas no fim de cada período.
• As escolas devem ensinar aos alunos a serem individualistas e a solidariedade deve ser abolida desde as primeiras séries. Assim, as escolas formariam os futuros trabalhadores egocêntricos, individualistas e consumistas, como pretende o capital. Essa regra é maléfica e danosa por tentar transformar os trabalhadores em seres que menospreza solidariedade. O que Bill Gates defende é que a sobrevivência no trabalho depende do trabalhador trair, trapacear e destruir o companheiro de trabalho.

Regra 10 – Televisão NÃO é vida real. Na vida real, as pessoas têm que deixar o barzinho ou a boate e ir trabalhar.
• As escolas devem ensinar que os trabalhadores não precisam de momentos para o barzinho, festas, boates, namoro, alegria e descanso com a família. Os patrões querem o fim desse direito.

Regra 11 – Seja legal com os CDFs (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns babacas). Existe uma grande probabilidade de você vir a trabalhar PARA um deles
• O determinismo nessa afirmação é perigosa, pois todos os estudantes, considerados, CDFs serão automaticamente chefes de grandes empresas. Caso isso fosse tão determinista assim, haja cargo de chefia para receber tantos estudantes CDFs existentes nas escolas públicas e privadas. A questão é quem são esses CDFs? Onde eles estudam? Quem são seus pais? Essa falsa afirmação apenas serve para afirmar quem não se deu bem na vida, com cargo de chefia, é porque não foi considerado CDFs na escola, ou seja, não estudou.

Segundo a Revista Brasileira de Ciências Sociais, a Microsoft de Bill Gates e outras empresas multinacionais de informática e telecomunicações têm adotado estratégia de enfraquecer os sindicatos através de subcontratação de trabalhadores excluídos do contrato coletivo de trabalho. Essa tática visa garantir reajustes diferenciados para trabalhadores que realizam as mesmas funções nas empresas (sobretudo em termos de benefícios concedidos) aos funcionários de tempo integral e os subcontratados desempenhavam funções equivalentes, mas com salários diferenciados. O que Bill Gates quer é acabar com esses incômodos de trabalhadores se organizando em sindicatos para lutarem por direitos. O que ele quer são as escolas preparando os futuros trabalhadores para a lógica do capital que não contestem, nem coloquem os patrões na justiça quando tiverem seus direitos negados.

As “supostas” regras de Bill Gates estão centradas numa concepção ideológica chamada de teoria do Capital Humano. Essa teoria defende que as escolas devem abandonar os conteúdos curriculares obrigatórios e priorizarem ensino de habilidades e competências, possibilitando que os alunos saibam mudar de habilidades em função de novas necessidades. Os alunos, futuros trabalhadores, devem saber assimilar as tecnologias novas; saber analisar situações de trabalho e vida, escolhendo aquelas que oferecem melhores respostas, saber se adaptar às novas exigências organizacionais (administrativas e/ou tecnológicas), ou seja, Aprender a aprender.

Nessa teoria, portanto, o aprendizado do conhecimento não deve ser priorizado pelas escolas formadoras dos futuros trabalhadores. Porém, as escolas formadoras dos filhos das elites devem sim continuar ensinando conteúdos, pois eles serão os futuros chefes e precisam pensar, os trabalhadores não. Para teoria do Capital Humano os investimentos em educação devem priorizar as crianças e adolescentes que podem agregar valor à mercadoria trabalho. Portanto, a educação é também uma “coisa”, isto é, uma mercadoria. O que essa teoria defende é que as escolas devem ensinar os alunos a serem individualistas, ou seja, cada um é um.

Trata-se de uma teoria que os intelectuais da burguesia produziram para explicar ou convencer a existência da desigualdade entre as nações e entre indivíduos ou grupos sociais. Entretanto, a ideia é não apontar os fundamentos reais que produzem essas desigualdades, ou seja, transformar seres humanos que não compreenda a realidade, desprovidos de conhecimentos. Nessa perspectiva, os conteúdos curriculares não são importantes, mas o desenvolvimento das habilidades e competências para serem trabalhadores subservientes aos patrões e as empresas. As escolas devem abandonar o ensino que faça os alunos refletirem sobre os meios de dominação capitalistas. Ai podemos entender as “supostas” regras de Bill Gates.