Anísio Teixeira (de óculos, ao centro) em 1931: movimento Escola Nova impulsionou debate sobre o que ensinar |
Muito embora a escola como instituição seja um produto da era moderna, ela nem sempre teve a mesma estrutura que conhecemos hoje. A primeira ideia de currículo, no sentido de organizar a experiência escolar de um grupo de alunos em um documento, data do século 17; no entanto, o “currículo”, como o entendemos hoje é uma invenção formatada apenas no século 20. Elizabeth Macedo, professora de currículo do programa de pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autoras do livro recém-lançado Teorias de currículo, descreve e analisa esse período e seus principais marcos históricos que fizeram do currículo brasileiro o que ele é hoje.
Segundo ela, para muitos autores a concepção sobre a necessidade de decidir o que ensinar no Brasil foi impulsionada pela industrialização americana no início do século 20 e, mais fortemente, pelo movimento da Escola Nova na década de 1920. Isso porque o desenvolvimento industrial e urbano trouxe a demanda de que a educação formasse pessoas adaptadas para trabalhar nesse novo mundo. Surge o questionamento: se os conhecimentos na escola precisam ter uma utilidade para os alunos, o que precisa ser ensinado? “Os escola-novistas trouxeram essa questão do aprender a aprender, pensando na escola, em vez de centrada no conteúdo, focada no processo de aprendizagem. Isso era uma grande luta entre a ideia anterior, de que eu precisava ensinar coisas para a criança virar adulta, e a nova, de que estou ensinando uma criança e o processo de ensinar é lidar com o dia a dia desse sujeito”, explica Elizabeth.
Campo de disputas
Essa luta permanece até a década de 1950, sempre tendendo para a convicção de que a escola precisa formar um tipo de indivíduo bem definido, e que uma educação eficiente se traduz em conseguir prever que tipo de formação os jovens vão ter. A partir desse momento, com o fortalecimento do Inep – hoje Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, à época Instituto Nacional de Pedagogia – foram trazidas teorias e experiências americanas por meio de uma série de campanhas e parcerias, especialmente no campo da matemática e das ciências. Chega ao Brasil a teoria de Ralph Tyler, que une o eficientismo social de Franklin Bobbitt e o progressivismo de John Dewey, e que perduraria por cerca de 20 anos no país. Ela consiste em um procedimento de quatro etapas, conforme detalha o livro Teorias do Currículo: definição de objetivos de ensino, seleção e criação de experiências de aprendizagem apropriadas, organização dessas experiências de modo a garantir maior eficiência ao processo de ensino, e avaliação do currículo. De acordo com as autoras, o que une essas três teorias é a prescrição curricular: “Em todas elas, é enfatizado o caráter prescritivo do currículo, visto como um planejamento das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e científicos”.
Nos anos 70, em pleno regime militar, o Brasil centrou sua educação em modelos americanos basicamente técnicos, conforme descreve Elizabeth. Isso significa definir metas e, a partir dessas metas, tentar estabelecer processos mais eficientes para alcançá-las. “Esse modelo foi importado no mundo inteiro, e passamos a viver da prescrição americana. Tínhamos laboratórios de currículo que trabalhavam nos estados e municípios para definir um currículo e fazer treinamento de professores para implementá-lo”, conta.
A redemocratização na década de 80 trouxe a influência do pensamento marxista e se traduziu em duas correntes no campo do currículo: os “conteudistas”, com a “Pedagogia Histórico-Crítica” de Demerval Saviani, e Paulo Freire, com a preocupação “culturalista”. Os primeiros regeram um amplo processo de renovação curricular nos estados e municípios, muitos deles vigentes ainda hoje, com o princípio da responsabilidade da escola como promotora do crescimento do indivíduo por meio das interações sociais e da quebra da reprodução de conteúdos que serviam apenas às classes dominantes e à manutenção das desigualdades sociais. Em outro paralelo, na linha de Paulo Freire defendia-se que a educação não consistia em substituir os saberes dos alunos por novos considerados mais úteis e importantes, mas em levar em conta o conhecimento e a experiência dos jovens no processo de aprendizagem. “O currículo de São Paulo de 1989, implementado por Paulo Freire, é um exemplo dessa perspectiva, com a ideia de não fazer um guia curricular, mas de trabalhar com as redes nesse processo de produção conjunto”, afirma.
Novas perspectivas
Apenas em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aconteceu a primeira tentativa de definir diretrizes curriculares no Brasil. Esse documento foi relativamente genérico, já que trazia poucas especificidades, e acabou sendo incorporado apenas parcialmente por estados e municípios. Na mesma época, em 1997, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), mais detalhados, porém não reconhecidos oficialmente pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) como currículo nacional e, por isso, não obrigatório. Assim como a LDB, os PCNs assumiram o papel de orientadores curriculares. É importante ressaltar que nenhuma das teorias de currículo, mesmo as da virada do século 19 para o 20, morreram completamente, e partes, mesmo que mínimas, de seu pensamento e/ou técnica foram remontadas no que conhecemos hoje por currículo. As novas diretrizes curriculares, aprovadas entre 2009 e 2011, atualizam a LDB e os PCNs e são compulsórias a todas as escolas e redes do país. Como já foi apontado, até o fim de 2012 o Ministério da Educação (MEC) promete complementar essas diretrizes com uma série de expectativas de aprendizagem.