A aprovação da Lei 13.005, em 2014, encheu o Brasil de esperanças em relação ao tão aguardado salto de qualidade educacional pretendido desde a colonização de nosso território por nações estrangeiras, mas que nunca se concretizou mesmo depois de conquistadas a “independência” e a “soberania” nacionais.
Transcorridos três anos da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), constatamos que as brechas criadas pelo capital no Plano de Estado para a educação com o propósito de se apropriar de recursos públicos, e as reformas neoliberais, que passaram a dominar a pauta da política nacional, têm aniquilado os sonhos e as esperanças de quem acreditou ter chegado a hora de o Brasil pagar sua dívida socioeducacional com a maioria de seu povo.
A aprovação da Lei 13.365, que retira a exclusividade da Petrobras para atuar com participação mínima de 30% na exploração da camada Pré-sal, foi o primeiro golpe contra a meta 20 do PNE, que pretendia equiparar o financiamento da educação a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2024. Na sequência, aprovou-se a Emenda Constitucional (EC) nº 95, que enterra em definitivo a meta de financiamento do PNE, uma vez que esse dispositivo macroeconômico ultraliberal proíbe o crescimento real das despesas da União com gastos sociais, entre eles, o de educação.
A EC nº 95, além de impedir a expansão das matrículas e a implementação do Custo Aluno Qualidade (CAQi e CAQ), põe por terra as metas 17 e 18 do PNE, que tratam da valorização salarial do magistério e das carreiras dos profissionais da educação. E a Lei 13.429, que instituiu a terceirização ampla e irrestrita, inclusive em grande parte do serviço público, juntamente com a reforma trabalhista – prestes a ser aprovada em definitivo no Senado –, encerram de vez a perspectiva de termos ampliado os quadros profissionais efetivos, qualificados e valorizados nas escolas públicas. Com isso, as estratégias 18.1, 18.3 e 18.4 do PNE tornam-se preceitos legais natimortos! E a reforma da Previdência, outro dispositivo neoliberal, acabará por afugentar os atuais profissionais em idade de aposentadoria que trabalham nas escolas, agravando a falta de professores em determinadas disciplinas e elevando o índice de contratos terceirizados tanto pela via de Organizações Sociais (Lei 9.637) ou empresas privadas (Lei 13.429), como por meio de funções temporárias com a gestão pública (art. 37, IX da CF-1988).
Antes mesmo de a EC nº 95 ser colocada em prática na educação, o governo ilegítimo de Michel Temer contingenciou recursos do orçamento do Ministério da Educação, cortou repasses para despesas correntes e para investimentos das Universidades e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – comprometendo o dia a dia das instituições e reprimindo a oferta de novas vagas –, restringiu o acesso dos estudantes ao Financiamento Estudantil – FIES, e, na maior prova de sua vocação antidemocrática e apartada do projeto político eleito em 2014 nas urnas, destituiu o Fórum Nacional de Educação, a fim de controlar as ações desse Colegiado que era para ser o principal canal de participação da sociedade na gestão educacional, além de fomentar a negociação das entidades civis com o governo, e em especial com o MEC.
Portanto, após três anos de vigência do PNE, a sociedade brasileira se depara efetivamente com ações do Poder Público, nas três esferas administrativas, que contradizem os principais objetivos do Plano Decenal de Educação, quais sejam, a ampliação das matrículas escolares e universitárias, a melhoria da qualidade da educação, a democratização da gestão educacional e a valorização dos profissionais das escolas públicas. E, para piorar, a educação ainda sofre o ataque fascista de grupelhos instalados nos parlamentos Brasil afora que desejam implementar Lei da Mordaça aos educadores, num verdadeiro achaque pretensamente disfarçado de Escola sem Partido, proposta esta que nega o direito dos cidadãos tomarem partido sobre o que desejam para suas vidas.
Nesse diapasão, em fevereiro último, o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória (MP) nº 746, de autoria do governo ilegítimo (transformada na Lei 13.415), a qual, além de fragmentar a educação básica – desvinculando parte do ensino médio da proposta curricular comum a todos os estudantes –, fomenta a privatização da etapa final de nível médio e promove a desprofissionalização do magistério, ao admitir no artigo 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) bacharéis com “notório saber” reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional na modalidade de Educação Técnica-
Profissional, além de profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica aligeirada.
Para além do ataque à profissionalização e à organização sindical dos trabalhadores em educação (temas igualmente prioritários nas reformas já promovidas pelo governo golpista ou em curso no Congresso), salta aos olhos o apetite do setor privado em abocanhar os fundos públicos de educação. E a conveniência e a conivência dessa ambição empresarial desenfreada com os interesses de muitos gestores públicos já demonstram resultados tenebrosos em muitos lugares do Brasil, seja no sentido de enquadrar as contas públicas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – uma vez que contratos terceirizados não são computados nos limites da LRF –, seja para dinamizar o retorno do apadrinhamento político na contratação de pessoal para as escolas públicas – enorme retrocesso social, cultural, político e econômico à nação.
Neste momento, a CNTE tem realizado levantamento sobre os processos de privatização e mercantilização da educação, de militarização de escolas e de terceirização de profissionais nas redes públicas de educação básica. Além da pesquisa “Mercantilização e Privatização da Educação Básica no Brasil”, encomendada a pesquisadores da Universidade de Brasília, nossa Entidade tem coletado dados diretamente das redes estaduais e municipais onde há trabalhadores em educação filiados à CNTE. Até agora 9 sindicatos estaduais e do DF, além de 7 sindicatos municipais responderam às perguntas, e os resultados têm sido mais que preocupantes. E é nesse contexto que o PNE 2014-2024 tem atuado, com enormes contradições e seletividades.
Sobre o processo de privatização e mercantilização da educação básica no Brasil (ver publicação da CNTE de mesmo nome em www.cnte.org.br), as matrículas privadas avançam em todos os níveis, etapas e modalidades da educação, e, consequentemente, aumentam os repasses diretos de verbas públicas para os agentes privados conveniados com o setor público. E essa tendência, em breve, deverá ser turbinada com a privatização, em muitos lugares, da parte específica do currículo de Ensino Médio, sobretudo na área da Educação Técnica-Profissional.
A militarização das escolas progride de forma preocupante no país, estando presente nos Estados de Goiás, Rondônia, Ceará, Paraíba e Pará. E, conforme dito anteriormente, a pesquisa da CNTE obteve, até o momento, retorno de 9 estados, perfazendo, portanto, esse quesito, 55,55% sobre a base pesquisada.
Já a terceirização de profissionais e de serviços educacionais tem sido o grande destaque da pesquisa da CNTE. Todos os estados e municípios contam com algum tipo de flexibilização do trabalho de educadores (professores e funcionários da educação) e em muitos verificam-se contratos de gestão e de distribuição de material pedagógico através de empresas privadas, a exemplo das que são mantidas pelas fundações Roberto Marinho e Itaú Social, pelos institutos Airton Senna e Natura, além dos grupos Positivo, Objetivo, Alfa e Beto etc.
Especificamente sobre a terceirização dos trabalhadores escolares, esse processo ocorre de inúmeras formas, contrariando as metas e estratégias do PNE. A flexibilização do trabalho escolar, em todo país, além de seguir a lógica da reforma trabalhista e da Lei da Terceirização – que precarizam a força de trabalho em benefício do lucro e de cortes orçamentários –, também se aproveita de verdadeiras burlas em outras legislações vigentes, como no caso de contratos de auxiliares de creches por meio do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (Lei 10.748). Outro artifício é a contratação de professores, funcionários e auxiliares diversos através do MEI (Microempreendedor Individual). Por meio de um único CNPJ as prefeituras contratam até cinco profissionais. E nos dois casos citados (Primeiro Emprego e MEI), as remunerações dos trabalhadores tendem a ser de ½ salário mínimo.
Os funcionários da educação continuam sendo as principais vítimas da terceirização escolar, tendo sido registrados casos em 100% das amostras pesquisadas nas redes estaduais e municiais. Porém, o magistério começa a figurar como alvo da terceirização direta através de Organizações Sociais. Além disso, mantém-se os recorrentes casos de contratos temporários vinculados às administrações públicas – que em muitos locais superam o número de pessoal efetivo –, contratos esses que penalizam os trabalhadores sem vínculo efetivo e que, agora, tendem a ser transferidos para empresas privadas ou OSs, sob o manto da legalidade nacional e ao arrepio das metas do PNE, que nem mais parecem Lei! Eis aí mais um paradoxo jurídico de nosso país, entre tantos outros que deturpam direitos e oprimem o povo.
Brasília, 5 de julho de 2017
Diretoria Executiva da CNTE