Marcelo Domingos de Souza é professor de História do Colégio Estadual Dr. Milton Dortas, em Simão Dias -Sergipe
Com a implantação do Ensino em Tempo Integral em 18 escolas da rede estadual de Sergipe, aconteceu um fato que chama a atenção. Que fato é esse? Peço a atenção dos professores para não cair facilmente no “canto da sereia”. O fato a que me refiro é a facilidade e a disposição que a SEED está, neste momento, em dobrar os salários dos professores que participarem desse projeto. Isso me deixou surpreso e me trouxe uma série de interrogações que quero compartilhar com vocês.
Todo professor que tem uma jornada de trabalho de 200 horas e desempenha 25 horas semanais em sala de aula, na verdade tem uma jornada de 40 horas semanais. Explico melhor! Os professores tem um regime especial de horas de trabalho, que se divide em aulas presenciais e atividades meio, que são realizadas em outros horários, sendo geralmente, realizadas na residência do professor como: leituras, planejamento de aula, elaboração de trabalhos, provas, etc. Sendo assim, somente parte dos horários de trabalho do professor é em sala de aula.
A Constituição Federal de 1988 garantiu aos professores e médicos o acúmulo de dois vínculos. Os profissionais do magistério, em sua maioria, para driblar os processos de exploração e desvalorização do magistério, tiveram que se valer de mais de um vínculo empregatício para poder sobreviver com dignidade. Isso levou os professores a uma condição insuportável de acúmulo de trabalho e atividades. Essa realidade tem interferido diretamente na qualidade de vida desses profissionais, e por consequência na qualidade da educação brasileira. Mas, vale ressaltar que, os professores são as vitimas imediatas do sucateamento do ensino e da desvalorização do magistério. Logo, ser um professor com um único vínculo e com remuneração digna e justa é sonho de qualquer profissional do magistério.
Mas voltando a questão do Ensino em Tempo Integral em Sergipe surgem alguns questionamentos:
- Durante muito tempo professores foram convidados em algumas circunstâncias, a depender das necessidades da rede estadual e das escolas estaduais, a ampliar a jornada de trabalho em regime de dedicação exclusiva. Por que não se dobrou o salário?
- Os que exercem função de coordenação pedagógica nas escolas nunca tiveram seus salários dobrados. Por quê? Visto que para exerce essa função tem que obrigatoriamente ter um único vínculo.
- Com implantação desse projeto (Escola em Tempo Integral) será criada um casta de privilegiados? Professores que dobram salário e outros que mesmo com dedicação exclusiva, ganharão somente uma gratificação irrisória e desproporcional?
É o que eu falei anteriormente. Trata-se do “canto da sereia”, ou seja, a ampliação visa conquistar, aliciar, capturar professores. Isso já está provocando a divisão da categoria.
Mas, analisando com mais profundidade esse sistema do “Ensino em Tempo Integral” pela perspectiva da carga horária, percebemos um mecanismo nefasto. Se o professor de 200 horas já tem uma carga horária de 40 horas semanais, o que significa esse dobrar salário? Significa abrir mão de sua autonomia, de poder planejar suas aulas, fazer suas leituras, corrigir suas provas, como tradicionalmente sempre exerceu, para realizar isso na escola sob a supervisão do um grupo de orientadores e coordenadores pedagógicos. Ou seja, essa remuneração a maior será convertida automaticamente em um monitoramento ostensivo da atividade pedagógica do professor. Ou seja, cada centavo pago a mais pela SEED se converterá em sangue, suor e lágrimas.
Obviamente que os índices educacionais de Sergipe são os piores do Nordeste, e quando se tratam de Ensino Médio, a tragédia se amplia. Mas já virou retórica comum colocar a culpa dessa realidade no professor, sem levar em consideração o desmonte histórico a que a Educação de Sergipe vem sendo submentida nos últimos anos, com sucateamento das escolas, baixos salários dos professores, ausência de planejamento e gestão, falta de projeto político, bem como, falta de uma política de estado, ao invés de política de governo. O que se vê é o improviso total, e política reacionárias que deixariam qualquer conservador de queixo caído.
Logo, o professor que aderir e submeter essa proposta sem questionar, deverá estar ciente que será tangido como um boi para o abatedouro. Não lhe faltará feitores a dar-lhe açoites. Nada vem de graça! Esse dinheiro aliciante e alienante não é uma benesse, ou um agrado.
Sendo assim, a “Pedagogia da Presença” é na verdade a compra de suas horas de planejamento e atividades extraclasse, para que você se submenta a um monitoramento ostensivo de coordenadores pedagógicos, que dirão o que você deve ou não dever fazer. Professor! Professor! Você conhece a “Pedagogia da Autonomia”? Você conhece a “Pedagogia do Oprimido”? Acho que sim! Paulo Freire afirma que: A formação do professor passa pela reflexão crítica de sua própria prática docente.
Sabemos que muitos professores irão ceder por força das circunstâncias. Não se sinta culpado por isso! O sistema é cruel! Mas seja um questionador! Seja um agente transformador do processo! Ajude-nos a dar um formato democrático, popular e libertário, ao Ensino de Tempo Integral.
Lembre-se! Não somos contra o Ensino Integral! Somos sim, contra toda e qualquer formar de opressão!
Marcelo Domingos de Souza
Professor de História do Colégio Estadual Dr. Milton Dortas