Saber é poder (II)

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José de Jesus Santos*

“A política que originalmente significava tudo o que se refere à esfera social, pública e cidadã, foi submetida nas ultimas décadas a um processo de abastardamento.” – Gramsci,1992.

Há quase duas décadas passadas e a máxima gramsciminiana ainda é viva, lamentavelmente. Mas antes que levem ao grosseiro sentido de abastardamento, o significado que melhor se casa ao nosso contexto é que a política degenerou-se, corrompeu-se e perverteu-se. A política do mundo das idéias é a pura arte do convencimento para atingir os objetivos de quem a usa (individualmente ou em grupo). Moldada no marketing e sustentada pelo poder econômico enraizou nas ultimas eleições e nas muitas que virão se aprofundará a política de camaleão – com profundas doses da velha política do cabresto: O voto de cabresto é um sistema tradicional de controle de poder político através do abuso de autoridade, compra de votos ou utilização da máquina pública. É um mecanismo muito recorrente nos rincões mais pobres do Brasil como característica do coronelismo.

No Brasil temos neo-coroneis, forjados nas alianças e apoiados por empresários e donos de terras, banqueiros, fazendeiros, blindados pela mídia sergipana e nacional, à sombra de emissoras de rádio comandadas por pessoas ligadas a administração dos municípios e dos estados. Basta procurarmos ver quem são os donos da mídia brasileira. Segundo o site donosdamídia.com.br temos o seguinte quadro de políticos que possuem participação direta em emissoras de rádio e TV: 54% são prefeitos 20% deputados estaduais, 17% deputados federais , 07% senadores e 1% governadores. Em Boquim temos apenas um jornal local impresso, blogs e sites que transmitem ações dos políticos além de notícias da cidade, uma rádio comunitária (RCB) cujos dirigentes da associação a que pertence tem cargos de assessoria de comunicação, chefia de gabinete e de departamento em secretaria.

Não é a toa que jantares, almoços com ou sem doce de leite tomaram o lugar do corpo a corpo com o povo, que só é visitado depois dos acordos e “projetos maiores” para manter vivos politicamente aqueles que estão desgastados no poder, ou que o já perderam e querem recuperá-lo. Para tal feito promovem ações para reduzir e ocultar os conflitos sociais por uma concepção abstrata de cidadania e democracia (tomada e dirigida pela elite conservadora) nas lentes ofuscadas da mídia burguesa dirigidas por representantes eleita pelo condicionamento do voto, seja por barganhas, promessas de cargos ou a influencia da “opinião pública” midiática sem clara reflexão.

Boquim, pequena cidade do interior sergipano presenciou várias vezes episódios cinematográficos que o filme O BEM AMADO deveria expor em suas cenas, enquanto o prefeito Odorico Paraguaçu queria inaugurar o cemitério da cidade de Sucupira, na Terra da Laranja em Sergipe episódios de ressurreição, ódio e amor sem revolução marcam a política boquinense nos últimos anos. Ressurreição por elevar nomes in memória com promessas de mãos dadas com ida à capital brasileira. De amor por passar de família em família, por ódio quando sempre instigou a rivalidade entre elas e entre grupos marcando quem é o bem ou o mal (revezados de eleição a eleição). Sem revolução por motivos óbvios de cooptação, engodos e traições em conluios nas coligações para os abortos das tentativas da “terceira via”, da vez do povo boquinense. Os boquinenses vem na prática de todos os seus administradores um governo real, em que um homem governa sozinho e com sua própria autoridade, como diz Aristóteles. Ao pé da letra seguem os políticos sobre o que escreveu este filosofo ao explicar sobre o Estado:

“(…) o Estado é formado pela reunião de famílias (…)”

De suas famílias, e apenas delas? Ou de várias famílias, ou de seus membros na pluralidade de cada seguimento da sociedade? Mesmo aceitando a existência de governantes e governados, dirigentes e dirigidos como afirma Gramsci, a obediência espontânea vinda do credo individual em concordar com o estado das coisas é que harmoniza ou destoa uma vez que seus interesses também são negligenciados. O individuo pode aliar-se ou rebelar-se. Havendo esta separação primária na nossa sociedade façamos a reflexão sobre as ações políticas de nossos governantes sobre nós governados. O que fizeram para o bem comum se não por dividendos meramente eleitoreiros quando não para o próprio enriquecimento, as demoras justificadas pela lei sejam fiscais ou por convênios e até mesmo pela falta de prioridade orçamentária. As leis são feitas para o povo ou para um grupo controlar os conflitos ou limitar a ação de outros?

Os partidos são os lugares onde os dirigentes deliberarão com seus dirigidos as ações conjuntas em favor de objetivos coletivos, ou não, como resposta de mudanças ou continuidade das políticas de alguns governantes. Como se comportam os presidentes de partidos? O que eles defendem, ou omitem? Qual a opinião deles sobre os fatos ocorridos na cidade? São calados ou gostam de expor seu pensamento junto com o do grupo? São indiferentes até que cheguem as eleições? As lideranças hoje tem se comportado como mobilizadores revolucionários, conformistas ou reformistas?

Já vimos em Boquim “chefes” ou caciques de partidos nos momentos decisivos se refugiarem nos seus projetos pessoais deixando seus dirigentes sem oxigênio, anêmicos e sem rumo a seguir, desmontando qualquer alternativa de construção de um novo grupo ou a velha terceira via que sempre sofre golpes indiretos, diretos, externos e internos.

É preciso sempre se tomar partidos para decidir os rumos de uma sociedade ou governo que realmente quebre as correntes coloniais ainda presentes nos setores dirigentes da sociedade sempre ligados “a uma bem consolidada rede de interesses, quase sempre sedimentada no parentesco através de casamentos e compadrios, ligando proprietários rurais à alta burguesia portuguesa colonial” – Wehling,1999,p 239.

Casamentos e compadrios hoje refletidos em alianças políticas de interesses, onde a sociedade naturaliza escândalos de compra e venda de votos. Hoje em Boquim com 100 mil reais se elege um vereador. Quem gastaria isso? Com qual interesse se gastaria uma quantia, que se multiplicarmos pelo numero de vagas, 11 para a próxima eleição, serviria para investir numa obra de infra-estrutura, ou na educação, na saúde e na segurança em nossa cidade. Quem pagaria essa conta no final após o resultado? Quantas obras passariam os três primeiros anos para que no quarto se pense na reeleição com promessas de continuar o trabalho?

Abrindo parênteses para reflexão de nossos jovens, professores, militantes e lideranças sobre o que disse Manuel Castells, professor, sociólogo, filósofo e investigador da Universidade da Catalunha, na Praça Catalunha, em Barcelona por cerca de 50 minutos, sobre Comunicação, Poder e Democracia editado pelo portal ADITAL.

“(…)Felizmente há sempre, nas sociedades, não apenas poder mas, também, contrapoder. Se existe uma lei social geral certamente válida, é que sustenta: onde quer que haja dominação, haverá resistência a ela. Em consequência, ao longo do tempo e também aqui, hoje, o que aparece como “normal”, “natural”, “estabelecido”, “acordado” são simplesmente os resultados dos compromissos de luta e negociação que se dão entre distintos interesses e valores na sociedade. Quem ganha, vai ampliando seu poder nas instituições. Quem contesta o poder e apresenta ideias novas, se tem poder suficiente, vai mudando estas instituições. Esta é a História, continuamente. O vai-e-vem entre o velho e o novo; entre os interesses que já estão cristalizados, burocratizados nas instituições e as interesses e valores de quem quer propor uma nova maneira de ser e viver.(…)”

BOQUIM, SIM, NÓS TAMBÉM PODEMOS!