Dilma ou Serra?

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Em vão busquei a resposta de Homero, da Sibila, do Eremita e muitos mais. Não ouvi o astrólogo Quiroga, profeta na revista Veja

Estariam os deuses do Olimpo dispostos a exercer sua poderosa influência sobre o resultado de nossa eleição presidencial? Ocorre-me a guerra de Troia. Afrodite, deusa do amor, protegia Páris, filho de Príamo, rei troiano. Pallas Ateneia inspirava o grego Ulisses, rei de Ítaca. Foi ele o inventor do célebre cavalo que enganou os troianos e selou sua derrota.

Afrodite deixou cantar sua vocação e seu destino, preferiu o troiano, belo mancebo, dado mais ao galanteio do que ao duelo, responsável pela guerra ao seduzir e raptar a deslumbrante Helena, mulher de Menelau, irmão de Agamemnon, comandante supremo do exército grego. Pallas, nascida do cérebro de Zeus, fortaleceu em Ulisses a astúcia e a audácia. Deu no que deu.

Decidi recorrer a Homero, o vate cego que contou essa história. Poderia haver por parte dos deuses gregos algum interesse pela refrega que por aqui está a começar? Evitou uma resposta direta, recordou apenas que aquelas divindades tão humanas há muito tempo abandonaram o Olimpo, por não achá-lo suficientemente majestoso, um montezinho, pouco mais que um morro.

Procurei, então, a Sibila de Cuma, celebrada na antiquíssima Roma. Ao soldado que perguntava se voltaria da guerra, respondia: “Ibis, redibis, non morieris in bello”, irás, voltarás, não morrerás na guerra. Caso o militar morresse e a família batesse à sua porta para queixar-se, esclarecia prontamente ter dito: “Ibis, redibis non, morieris in bello”.

A despeito da vírgula volúvel, tomei o caminho de Cuma e propus à Sibila: quem ganha, Dilma ou Serra? Ela encarou as paredes de sua caverna, e dela ouvi de saída a seguinte observação, pronunciada em tom tão áspero quanto a pedra que a cercava: “Michelangelo me fez feia demais na abóbada da Capela Sistina, eu sou bem melhor do que aquele monstro”. Insisti. “Se a Dilma não ganhar, ganha o Serra”, sentenciou.

Quando compareci diante da maga Circe colhi em seus olhos um brilho sinistro. Desisti de interrogá-la. A recordação daquele momento atroz em que transforma em porcos os companheiros de Ulisses me fez dar meia-volta e afastar-me de carreira.

Andei pelo deserto em busca de Pedro, o Eremita, talvez ele soubesse quem seria o protegido do Deus cristão, o mesmo que quis as cruzadas contra os infiéis. Temi, obviamente, que pudessem ser leitores dos editoriais da mídia nativa, Pedro e o Altíssimo, de sorte a praticar o wishful thinking. Mesmo assim parti no encalço do frade pregador. Acabei por encontrá-lo no próprio Vaticano, envergava um clergyman muito bem cortado. Foi evasivo, todas as suas preocupações dizem respeito agora ao escândalo dos padres pedófilos. Limitou-se a comentar: “No meu tempo também aconteciam coisas terríveis, os homens pecavam com ursos, éguas, ovelhas”.

Não esqueci madame Blavatsky e a alcancei munido das fotos de Dilma e Serra. Ela esquecera seu pêndulo, infelizmente, a girar sobre as imagens contaria o futuro de cada um. Frequentei os terreiros, mas o pessoal caiu em transe alcoólico. Em vão fui atrás de videntes, cartomantes, jogadores de búzios.

Os profetas estavam a pretender que o colega Daniel se tornasse domador de circo. Os numerólogos perderam-se no labirinto dos logaritmos. Cheguei a cogitar de Paulo Coelho, a quem pediria o endereço de algum alquimista de confiança. Não faltou quem me avisasse: certos assuntos ele só trata com José Dirceu.

Em paz deixei Oscar Quiroga, astrólogo do Estado de S. Paulo, mesmo porque é também o preferido de Serra, o que, em princípio, configura um conflito de interesses. Quiroga foi taxativo, conforme o precioso relato da revista Veja: com todos os sinais astrológicos que ele constatou “seria tolice não arriscar a afirmação de que José Serra deve ser o próximo presidente do Brasil”.

De fato, os sinais são impressionantes: Sol e Netuno em oposição, Lua em Áries, Saturno e Urano em conjugação. Só não ficou claro se quando alude a Saturno também leva em conta o comportamento dos anéis. Contido, Serra admite: “Há uma espécie de ciência por trás disso”. Pensamento singelo, humilde até.

Lembrei-me do antigo Estadão, pioneiro na publicação de horóscopos, se não me engano no final dos anos 40, ou começos dos 50. O jornal carecia de um Quiroga e o astrólogo de plantão recebia contribuições da redação toda. Podia ser de Luiz Carlos Mesquita, o Carlão, que recomendava aos nascidos em Áries que não saíssem de casa no dia seguinte. Ou de meu pai, Giannino, segundo quem os taurinos deveriam abster-se de bifes malpassados. Ele não gostava de carne a verter sangue, e nascera em Touro. Os tempos eram outros.