Filme discute qual o futuro que aguarda o sofrido continente africano diante da sangria impressionante ao qual está sendo submetido pela imigração maciça.
Os versos do belo hino de liberdade de Bob Marley, Redemption Song, diz: “Você não vai me ajudar a cantar/Estas canções de liberdade? Libertem-se da escravidão mental. Ninguém além de nós mesmos pode libertar nossas mentes”
Foi esta a canção emblemática escolhida pela cineasta e atriz Cristina Mantis para o título do seu documentário exibido na mostra Fronteiras/ Cinema e Direitos Humanos, no Festival do Rio com apoio da Anistia Internacional; uma produção de 2015 da Itália, Brasil, Senegal e Guiana.
O filme trata de um aspecto quase sempre negligenciado por alguns analistas políticos: qual o futuro que aguarda o sofrido continente africano diante da sangria impressionante ao qual está sendo submetido pela imigração maciça, forçada ou não, de toda a sua geração de jovens (vários deles com diploma universitário) dos países da África sub sahariana que arriscam a vida atravessando o deserto guiados pelos buzus e no Mediterrâneo, nos barcos líbios, hipnotizados pela miragem das falsas benesses que os aguardariam na Europa.
A África está perdendo os seus jovens fugindo da fome e das guerras em uma hemorragia humana sem precedentes, mostra Redemption Song. Refugiados chegam aos portos italianos pela rota líbia pressionados pela miséria familiar e a falta de empregos. Terminam sem ocupação digna e cm frequência sem passaporte. Acabam trocando o trabalho semi-escravo nas minas de seus países ou os subempregos em petroleiras estrangeiras ou gigantescas corporações globalizadas, os neo colonizadores saqueadores de suas terras, (ver os contundentes documentários Viemos em paz e Big Men) pela mendicância, discriminação e miséria semelhante nas sarjetas européias ou nos campos de refugiados mais assemelhados a centros de concentração.
O doc de Cristina Mantis, premiado pela RAI, coloca o dedo nesta dolorosa chaga com a narrativa de Aboukar Cissoko, um jovem da Guiné que chegou, anos atrás, na Itália, na companhia de mais de duzentos imigrantes africanos, muitos vindos da Costa do Marfim e da Guiné. Cissoko conhece bem a precariedade em que vivem os que fogem em busca de uma vida melhor e sonham com o ‘’paraíso’’, e conta a sua experiência gravando imagens dos companheiros na dura sobrevivência em países europeus para mostrá-las em escolas e aldeias africanas para outros rapazes. Abre um debate entre os jovens e suas famílias sobre quais poderiam e deveriam ser outros caminhos na luta política para fixá-los em seus lugares de origem.
Assim como está perdendo os seus jovens, suas riquezas, seus recursos hídricos, a África está arruinando o seu futuro, é o que se discute no filme de Cissoko e Mantis.
As sequências finais do filme se passam na Ilha de Gorée, no Senegal, de onde partiam os escravos. Em seguida, outras delas são como homenagem a eles e foram realizadas em comunidades quilombolas no nordeste do Brasil, onde vivem seus descendentes procurando manter viva a cultura ancestral através da força de se manterem unidos.
Por coincidência, nesta mesma semana da exibição do documentário Redemption Song, entre as dezenas de protestos de forte repúdio que continuam se multiplicando em todo o país por parte de professores, educadores, estudantes, jovens e economistas responsáveis contra a PEC 241, o reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Leher, reagiu, denunciou a proposta, e na sua indignação comentou justamente o desastre que ocorre na África atual, mais uma vez colonizada, e atinge, lamentavelmente, esta e outras gerações que virão. Diz ele:
‘’Então, desmontar a universidade pública significa também desmontar toda a expectativa de futuro em relação à ciência e tecnologia. Os povos necessitam de conhecimento, necessitam de ciência, de tecnologia para poderem forjar outra perspectiva para o bem viver.”
“Todos os povos precisam de conhecimento, enfim, para ter uma melhor intervenção na natureza, na sociedade, e isso vai colocar o país numa situação profundamente neocolonial. Tal como aconteceu no colonialismo na África, em que as universidades foram fechadas, foram impedidas de vicejar, nós teremos uma situação na mesma proporção, caso de fato essa PEC seja aprovada. Seria um processo de desmonte profundo da educação pública e de um precioso patrimônio que temos, do povo brasileiro, que são suas universidades públicas. ’’
Se a PEC 241 não for barrada o Brasil, amanhã, será a África de hoje.