Este cearense é uma dessas provas acabadas da genialidade de nossa gente. Menino da roça, autodidata, leu os grandes mestres. Poeta nato, fiel às raízes, foi porta-voz do povo, sem perder jamais a delicadeza.
5 de março de 1909. Na Serra de Santana, a 18 km de Assaré, nascia o segundo dos cinco filhos de um casal de agricultores cearenses. Aos quatro anos Antônio Gonçalves da Silva, perdeu a visão de um olho. Aos oito, ficou órfão de pai e teve que trabalhar.
Muito cedo encantou-se com os romances de cordel e o som da viola. Teve apenas quatro meses de instrução formal, compensados pela leitura atenta de Camões e dos poetas românticos brasileiros.
Aos 16, com autorização da mãe, vendeu uma ovelha e comprou a primeira viola. Passou a distrair os serranos. Rapaz formado, viajou a Belém com um parente que se encantou com seus repentes. Foi batizado de Patativa. Como apareceram outros, ele passou a ser o Patativa do Assaré.
Voltou a sua terra, com desenvoltura para vencer o rival da peleja. Assim, fez-se o poeta.
Combativo
Casado em 1936, pai de família numerosa, por mais de 25 anos trabalhou a terra e fez poesia. Como intérprete de uma comunidade, viajava em lombo de burro, vestindo paletó e gravata, com a viola a tiracolo, fazendo cantorias pelo Cariri.
Na roça, enquanto trabalhava, acumulava versos em sua memória privilegiada. À noite, sob o lume da lamparina, passava tudo a limpo num caderninho. Constituía-se uma obra, que permaneceu.
Em Patativa, não existia a possibilidade de rima pobre ou poema mal acabado. A versificação aprendeu com o tratado de Olavo Bilac e Guimarães Passos.
Em 1956, parte de sua produção ganha formato de livro. José Arraes de Alencar ouviu Patativa no rádio. Publicou Inspiração Nordestina. Luiz Gonzaga gravou, em 1964, Triste Partida. O canto de Patativa passou a ser amplificado.
O poeta incorporou novas pautas, falou da reforma agrária, da televisão, dos meninos de rua, mas não perdeu de vista a casa de farinha, o galo de campina, o flamboaiã sentinela da serra de Santana. Sua consciência política aguçada transmitia-se por meio da voz poética. Insistindo nas verdades incômodas, fez de sua poesia um canto de guerra, sem nunca perder a delicadeza. No período autoritário foi perseguido. Teve um mandado de prisão relaxado pela interferência de um parente militar.
Patativa continuou a criar, era seu destino de poeta pássaro, poeta cidadão.
Entusiasta
Cante Lá Que Eu Canto Cá, publicado em 1978, lançou-o nacionalmente. Foi objeto de teses e artigos acadêmicos, capa de suplementos culturais. Ganhou homenagens, cidadania honorária de vários municípios. Aconteceu na televisão. Vieram outros livros, discos. Apoiou a campanha pela Anistia em 1979. Participou das Diretas-Já em 1984. Votou contra velhos coronéis e em Lula três vezes.
Patativa soube manter suas raízes. Quando o corpo franzino falava, tornava-se nosso porta-voz. Um homem profundamente sintonizado com seu tempo e seu espaço: generoso, guerreiro e sábio.
Morreu em julho de 2002, aos 93 anos. Deixou sete livros, cinco discos e uma trajetória de coerência ética, qualidade poética e afinação, como o pássaro. Patativa foi único em sua grandeza e eterno em seu cantar.
*Gilmar de Carvalho é jornalista e escritor. Autor de Madeira Matriz e Publicidade em Cordel.