2014: os desafios sociais e ambientais do povo brasileiro

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Reproduzido do site Carta Maior

Terminamos o ano de 2013, e entramos no próximo ano encarando a temporada ultraconservadora rural, social e ambiental no Brasil.

 

Porto Alegre – Com a temperatura acima de 35 graus, beirando os 40, uma inundação em dois estados, conflito racista em Humaitá (AM), onde os madeireiros incentivaram a destruição do patrimônio público, após a morte de um cacique e três moradores da cidade; a construção de várias estações de transbordos no distrito de Miritituba(PA), onde o agronegócio vai escoar cerca de 20 milhões de toneladas de soja; mais a liberação da exploração de ouro na Volta Grande do Xingu, a l7 quilômetros onde está sendo erguida a Usina Hidrelétrica do mesmo nome; além da proposta indecente das empresas de agrotóxicos junto com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), para criar a Comissão Técnica de Agrotóxicos (CNTagro), espécie de irmã siamesa da CNTbio, àquela que só aprova a liberação dos transgênicos, assim terminamos 2013, e entramos no próximo ano encarando a temporada ultraconservadora rural, social e ambiental.

Ficou grande, mas é para argumentar bem. A capital gaúcha, local onde sempre passam as frentes frias vindas da Península Antártica está imersa no forno, transformando a bela Porto dos Casais dos açorianos, em autêntico inferno tropical. O conflito de Humaitá que a Rede Globo, por intermédio dos repórteres da afiliada no Amazonas identificou como uma revolta da população pelo sumiço de três moradores, e tendo como fato anterior, a morte do cacique Ivan Tenharim, “encontrado morto na Transamazônica, vítima de atropelamento por estar bêbado”. Posteriormente, a nota do Conselho Missionário Indigenista registra o seguinte:

“- O cacique Ivan Tenharim era um incansável opositor contra a pilhagem praticada por madeireiros na terra indígena, junto com os órgãos públicos, e contribuiu para o fechamento de serrarias ilegais na região”.

A BR-230, conhecida como Transamazônica, que corta o norte do país desde Imperatriz, no Maranhão até o Acre, foi uma obra da ditadura militar, juntamente com a Perimetral Norte, que cortaria o Amapá, até a fronteira com a Guiana, e acaba na terra indígena dos Oiampi, povo que conheci em 1979. Tinha uma guarita vigiada pelos índios no final da estrada, que foi abandonada, porque ligava o fim do mundo ao paraíso, ou seja, o nada a lugar algum. Os tenharins moram na terra onde sempre viveram, junto com seus vizinhos parintintins e muras, na Terra Indígena Tenharim Marmelos. A estrada construída, a custa da destruição de várias aldeias, como no caso dos Araras, na região de Altamira, simplesmente corta o território ao meio. Idêntico caso dos Waimiri-atroari na Roraima, com a BR-374.

Revolta racista

O cacique morto foi encontrado com hematomas no corpo e ferimentos na cabeça. Não houve investigação policial. Lógico que a revolta da população de Humaitá, incrementada pelos madeireiros, com tons racistas, de expulsão total dos índios da região – certamente para ficar com suas terras – serviu de mote para uma nota da Confederação da Agricultura, onde a senadora Kátia Abreu, dispara a artilharia do ultraconservadorismo rural brasileiro.

“- A revolta que motivou duas mil pessoas a atearem fogo na sede da FUNAI é mais uma prova irrefutável da necessidade de mudanças imediatas na condução da política indigenista”, diz a nota da CNA.

Os moradores encapuçados de Humaitá queimaram a Casa de Saúde do Índio, vários carros e motos, além de um barco, que abastecia as aldeias do interior. Ou seja, acabaram com a infraestrutura da FUNAI e deixaram cerca de 180 tenharins que estavam na cidade encurralados, tanto que foram levados para  o 54º Batalhão de Infantaria de Selva. No dia 29 a juíza federal de plantão, Marília Gurgel determinou as autoridades de segurança a proteção à terra indígena que foi invadida várias vezes, e determinou a volta dos índios às comunidades. Além disso, enviou cópia do processo para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Não queriam discutir os impactos

Voltando um pouco na mesma estrada, agora no entroncamento da BR-163 – Cuiabá-Santarém, no distritito de Miritituba, município de Itaituba (PA), um grupo de multinacionais, entre elas, Cargill e Bunge, começou a construção de várias estações de transbordo fluvial. A soja, ao invés de rodar 2,3 mil quilômetros até Santos ou Paranaguá, para engordar as vacas europeias ou porcos e galinhas chinesas, percorrerá um trecho da BR-163, recém-licitada para a Odebrecht, até o referido distrito, cerca de 900 quilômetros – contando de Nova Mutum, passando por Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, e atravessando o nortão do MT até o Pará.

Negócio lógico. Uma barcaça de soja equivale a 800 caminhões lotados. Mas as empresas chegam num distrito com menos de quatro mil habitantes, a mais adiantada é a Bunge, que pretende exportar até cinco milhões de toneladas de soja- via rio Tapajós até vila do Conde, em Barcarena, região metropolitana de Belém. Vão construindo sem ainda ter as licenças necessárias. Não queriam nem discutir os impactos. A região não tem água encanada, coleta de lixo, rede de esgoto. Itaituba com 98 mil habitantes tem um lixão recebe 950 toneladas por mês. Depois de muita discussão com os representantes da prefeitura local, chegaram a um acordo e pagar R$12 milhões em 15 prestações, para ter a licença municipal de instalação.

600 mil viagens por ano

No acordo consta a construção da infraestrutura de água, esgoto e lixo, a compra de 10 transformadores para as escolas, uma sede para o corpo de bombeiros, uma ambulância. A previsão da agência Reuters, que esteve na região, é para um movimento de 300 mil caminhões por ano, somente na ida, ou seja, 600 mil viagens. Levando soja na estrada que ainda não está asfaltada, mas são somente 150 km, no clima amazônico, com temporada de chuva e seca definida. Minha conclusão: vão misturar ferro no asfalto para não desmanchar.

A previsão das empresas, e são 15 que se instalarão na região, é de movimentar seis milhões de toneladas em 2015, mas a expectativa é para escoar por esta rota até 20 milhões de toneladas. A expansão da soja na Amazônia tem uma grande responsável: a Cargill, multinacional americana, que ainda é controlada pela família, desde a sua fundação, e que instalou um porto graneleiro em Santarém há 10 anos, com capacidade para movimentar 1,3 milhão de toneladas. Na época, a produção de soja na região estava iniciando. Hoje, contanto os municípios vizinhos soma 55 mil hectares. Segundo a Associação da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), dos quase 25 milhões de hectares de soja plantados no Brasil, 2,1 milhões estão no bioma Amazônia. O Pará tem 337 propriedades que plantam soja em 16 municípios, além de contar com 107 mil fazendas e 19 milhões de cabeças de bovinos.

Na trilha do ouro

Então a primeira rota de escoamento começou via Porto Velho, usada pelo Grupo Amaggi, que leva de barcaça até Itacoatiara no Amazonas. Dali, de navio para o Atlântico. O pobre distrito de Miritituba é um atalho. Também porque via rio Amazonas – se encontra com o Tapajós em Santarém –existe um empecilho na foz do Amazonas – só passam navios com no máximo 47 mil toneladas de capacidade. Por Barcarena, onde a Bunge, que está investindo R$500 milhões no projeto, podem passar navios de 70 mil toneladas. Eles já projetaram, como novas dragagens, navios com capacidade para 120 mil toneladas. A Bunge e o grupo Amaggi, do senador Blairo Maggi criaram a empresa Navegações Unidas Tapajós Ltda., com investimentos previstos de R$300 milhões, com a compra de 90 barcaças e cinco empurradores.

Seguindo ainda pela Transamazônica até a região de Altamira, onde está sendo construída a hidrelétrica na Volta Grande do Xingu. O Grupo Forbes & Manhattan, um banco de capital fechado, que capta dinheiro nas bolsas do Canadá e em outras partes do mundo, conseguiu licença ambiental do governo do Pará, via SEMA, para investir US$1,1 bilhão na mesma região e recolher 4.684 quilos de ouro por ano, em 11 anos pretendem remexer 37,8 milhões de toneladas de terras, com o consequente tratamento com cianureto, para identificar as migalhas do metal. Cerca de dois mil garimpeiros trabalham na região, todos ilegalmente.
 
Existem comunidades com 40 anos. Já estão sendo expulsos. O grupo canadense pretende usar dinamite, a 17 km da usina, mas isso é um detalhe, não há o menor risco. O pior mesmo é o veneno que vai ficar na região.

Bilhões para alguns e miséria para outros

Para terminar esse sumário quase trágico, do ponto de vista social e ambiental, uma notícia animadora na terra da senadora Kátia Abreu, o estado do Tocantins, que ela pretende governar, depois de 2014. Osmar Zogbi é um daqueles ricos brasileiros, que vendeu seus negócios e está à procura de uma nova atividade.
 
Vendeu o banco Zogbi para o Bradesco e a sua parte na Ripasa, uma empresa de celulose e papel, para o grupo Votorantim. Criou a Eco Florestas- gosto de ver é o marketing ambiental deles –considerado o maior projeto florestal independente.
 
Comprou 120 mil hectares de terra, 42 mil já ocupados com eucalipto, mas o plano é atingir 180 mil hectares e 100 mil com o monocultivo. O objetivo maior é uma indústria de celulose com capacidade para 1,5 milhão de toneladas por ano – necessita de 150 mil hectares de eucalipto. Zogbi investiu R$500 milhões, junto com seus sócios, ex-acionistas da Ripasa, além do grupo Safra e a BR Partners, entre outros.

Por isso, dá para entender a fúria da CNA contra os índios que estão atrapalhando os bilhões que serão investidos no campo, onde de um jeito ou outro, sobra umas migalhas para eles. Quanto ao povo brasileiro, que vive nas regiões afetadas, certamente serão deslocados para as capitais e suas regiões metropolitanas.
 
Vamos ver dois exemplos: o Pará tem uma população de 7,5 milhões de habitantes, sendo 1,4 milhão considerados economicamente como vivendo abaixo da linha da pobreza, assim como outros 16 milhões de brasileiros. Mas a média nacional é de 8,42%, de pobres nesta situação, comparados com uma população de 190 milhões de habitantes – dados de 2010. A média do Pará é de 18,65 % da população em condições de extrema pobreza.

O Mato Grosso, maior produtor de soja, milho e algodão do país, com uma população de pouco mais de dois milhões de habitantes, têm 394.821 famílias no Cadastro Único do governo federal, quer dizer, recebem assistência de algum programa. Onde vai parar os mais de US$30 bilhões da exportação de soja, ou os mais de US$6 bilhões da exportação de carne de boi. Outra questão, para discutir em 2014: qual o limite da expansão da pecuária e da soja na Amazônia? Ou não tem limite? Ou transformaremos a Amazônia numa imensa fazenda de boi e soja, para o deleite da elite rural ultraconservadora desse país?