Felipe Prestes, do Sul 21
A crise financeira dos países europeus é para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos prova de que o capitalismo está sem freios. O estudioso vê a Europa perdendo sua “fortaleza social”, os ideais de cidadania que marcaram o continente. “O capitalismo precisa de um corretivo”, diz. Para Boaventura, este corretivo se chamava comunismo. Segundo o acadêmico, foi o contraponto comunista que fez com que o estado de bem-estar social prosperasse na Europa Ocidental. “Hoje, vemos mais social-democracia no Brasil, que na Europa”.
Agora, o sociólogo ainda não vê o remédio certo para conter a retirada de direitos sociais e o crescimento da intolerância. Mas fechou sua palestra, diante de um plenário lotado na Assembleia Legislativa, citando três palavras essenciais para qualquer “corretivo” que seja aplicado ao capitalismo, não só na Europa, mas em todo o mundo. “Democratizar, descolonizar e desmercadorizar”.
Relações extra-institucionais
Na palestra, que é parte do programa Destinos e Ações para o Rio Grande, Boaventura de Souza Santos afirmou que a derrocada de um modelo de compromisso na relação vertical entre estado e cidadão gera também um descompromisso na relação horizontal cidadão-cidadão. Isto explica, segundo ele, a derrocada das instituições. O sociólogo destacou que as relações extra-institucionais ganham em nosso tempo mais importância.
Isto se reflete, segundo o sociólogo, nas revoluções árabes atuais, em que movimentos sociais e partidos não são protagonistas. Ele conta que durante o Fórum Social Mundial deste ano, em Dacar, no Senegal, as atenções acabaram voltadas para os rebeldes dos países árabes do Magreb, mesmo que boa parte dos militantes destes países estivesse no Fórum. “No Cairo se passavam coisas muito mais importantes que em Dacar”.
Para Boaventura, as relações extra-institucionais também se manifestam no modo com os Estados Unidos combatem seus inimigos, inclusive Osama Bin Laden. O sociólogo defende que o líder da Al-Qaeda, por mais hediondo que sejam os crimes que cometeu, deveria ser julgado pela Corte Internacional, que, não por acaso, os EUA não ratificam. O português também citou como exemplo de relações extra-institucionais a prisão de Guantánamo. “Ali não vigora nenhum princípio do Direito”.
Violência
A derrocada das relações horizontais entre os cidadãos e entre estado e cidadão se manifestam, para Boaventura, no crescimento da violência em todo o mundo. Para o sociólogo esta violência crescente se manifesta pela intolerância racial, de gênero, social e por orientação sexual. A violência também está nas escolas, na repressão feita pelo estado e no modo como o poder econômico consegue tirar a liberdade de escolha dos trabalhadores. “Quando alguém tem o poder de veto sobre a vida de outro, isto é fascismo”, disse.
Boaventura afirmou que, hoje, em Portugal o sistema financeira tenta privatizar parte da saúde pública e da previdência. “Há um fascismo financeiro”. O sociólogo não esqueceu dos problemas do Brasil, país que destacou para apontar o que chama de apartheid social. “Há as ‘zonas selvagens’ nas cidades e as ‘zonas civilizadas’. (A polícia) se comporta de forma totalmente diferente nas duas zonas. Os policiais são capazes de ajudar um garotinho a atravessar a rua nas zonas civilizadas. E dão porrada nos jovens nas favelas”. O acadêmico afirmou que não há remédio conhecido para sanar os vários tipos de violência descritos por ele. “Entretanto, já sabemos o que não funciona: a repressão”.
Boaventura de Souza Santos afirmou que as discriminações racial, étnica e social são sinais de que o colonialismo europeu ainda não acabou totalmente. Disse ainda que os espaços públicos construídos hoje em dia no mundo capitalista, como shopping centers e condomínios fechados, não são democráticos. O sociólogo afirmou que para acabar com a intolerância não basta apenas ser tolerante, coexistir: é preciso conhecer o outro. “Tolerar é pouco. É preciso conhecer o outro, enriquecer com ele”.
Neste sentido, o sociólogo ressaltou o fato de que as esquerdas mundiais conseguiram vencer sua própria intolerância com outros setores do mesmo campo. “Houve muito intolerância entre a própria esquerda. Hoje, a esquerda é um mosaico. São peças que compõem uma figura juntas, mas sem perder sua característica individual. Não temos um modelo universal. Há várias contribuições, todas elas incompletas”.
Boaventura disse que os países da Europa precisam refundar suas democracias. De acordo com ele, o poder econômico teme uma democracia forte no continente. “São democracias sem democratas”. O sociólogo prevê que as revoluções no norte da África podem ter eco na Europa mediterrânea, em países como Grécia, Espanha e Portugal. “As duas periferias da Europa – o Magreb e a Europa mediterrânea – são muito ligadas”.