Projeto para igualar salário entre homem e mulher e combater a discriminação nos ganhos tramita na C

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Em 2008, pesquisa do IBGE apontou que mulheres recebiam, em média, 71,3% do rendimento dos homens.

Por Ana Cláudia Barros, na Terra Magazine

Não importa a formação ou o tempo de estudo. Há muito, pesquisas sinalizam que as mulheres estão em desvantagem no mercado de trabalho. Esta discrepância se evidencia quando o foco da análise passa a ser a remuneração pelo serviço prestado, em média, inferior a recebida pela mão de obra masculina.

Para tentar corrigir essa distorção, a Câmara analisa o Projeto de Lei 7016/10, que proíbe o pagamento de salários diferenciados para homens e mulheres com funções ou cargos iguais. A autoria é da deputada Luciana Genro (PSOL-RS).

Prometendo rigidez, o projeto, que tramita em caráter conclusivo, obriga a empresa infratora a indenizar a funcionária que sofrer discriminação, pagando valor equivalente a dez vezes a diferença salarial acumulada, com atualização monetária, além das contribuições previdenciárias correspondentes. Ele prevê, ainda, mecanismos de fiscalização, implementados pela Receita Federal e pelo Ministério do Trabalho.

Professora de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Mulher e Gênero, Jussara Reis Prá, comemorou a iniciativa.

-Acho memorável, importante. Sabemos que a questão da diferença salarial historicamente tem se repetido. Não entendemos porque há salários diferentes para exercer a mesma função. Outro ponto é que, a medida em que aumenta a qualificação da mulher em termos de formação educacional, há uma diferença ainda maior entre os salários.

Realista, ela destacou, entretanto, que contornar essa “desigualdade histórica” não é um processo fácil e demanda tempo.

Confira a entrevista

Terra Magazine – A Câmara analisa o Projeto de Lei 7016/10, que proíbe o pagamento de salários diferenciados para homens e mulheres com funções ou cargos iguais. A senhora acredita que o projeto será um caminho para diminuir as discrepâncias salariais entre os gêneros ou terá pouco efeito prático?
Jussara Reis Prá –
Pode diminuir, sim. É importantíssimo que seja, pelo menos publicizado. Agora, sabemos que lidamos com um tipo de cultura política em que temos uma diferença entre aquilo que é normativo e o que funciona em termos de prática e de mentalidade. Porém, se for uma política pública, há possibilidade, sim, de cobrança.

Como a senhora avalia a iniciativa?
-Acho memorável, importante. Sabemos que a questão da diferença salarial historicamente tem se repetido. Não entendemos porque há salários diferentes para exercer a mesma função. Outro ponto é que, a medida em que aumenta a qualificação da mulher em termos de formação educacional, há uma diferença ainda maior entre os salários, na comparação com a remuneração recebida pelos homens.

Em 2008, pesquisa do IBGE apontou que mulheres recebiam, em média, 71,3% do rendimento dos homens. No caso das que apresentam nível superior completo, a remuneração passava a ser de 60% dos salários recebido pelos homens. É o que a senhora destacou: as discrepâncias permanecem mesmo com o grau de escolaridade elevado. Como explicar essa desigualdade?
Essa desigualdade é histórica. As mulheres entraram, efetivamente, no mercado de trabalho em um contexto extremamente conturbado, que foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando precisaram ocupar o lugar da mão de obra masculina, que estava diretamente envolvida no conflito. Nós passamos por um processo de substituição de importações, em que não tínhamos mais como importar mercadorias, como fazíamos anteriormente, porque a Europa canalizava toda sua produção para os soldados. Enfim, nós tivemos, aqui no Brasil, que passar pelo processo de substituição de importações, em que as mulheres também foram participar do mercado de trabalho em maior número.

Acontece também um fato interessante ao fim da segunda guerra, que deu origem a vários questionamentos por parte das feministas. As mulheres foram convidadas a retornar a seus lares no momento em que, regularizada a situação, os homens voltariam a ocupar os postos de trabalho.

A questão do salário fica condicionada ao fato de que, como o homem, do ponto de vista cultural, é o provedor, o salário da mulher é complementar, ou seja, complementa a renda familiar. Se ela complementa, trabalha para comprar alfinetes e perfumaria, que era a linguagem da época, é óbvio que ela pode ganhar menos.

Essa mentalidade de que o homem é o provedor vem resistindo ao tempo…
Ela resiste, porque passa a fazer parte da cultura. No momento em que ela é um fato cultural, você fica brigando com a lei. A lei diz uma coisa, mas a prática é discrepante, vai de acordo com aquilo que está introjetado.

Mas considerando essa questão cultural tão arraigada, a senhora não acha que a Lei 7016/10, caso implementada, encontrará barreiras? Na sua opinião, será difícil a aplicá-la?
Ela, certamente, precisará de tempo. Temos que levar em consideração que o Brasil é signatário de planos e tratados, acordos e protocolos internacionais. Alguns desses protocolos internacionais vêm, há muito tempo, exigindo que o governo brasileiro e outros governos resolvam determinadas questões, entre elas, essa discrepância salarial.

Portanto, ao contrário do que muita gente pensa, esses protocolos têm força de lei. Tanto que a Lei Maria da Penha está ancorada no que o Brasil assina lá fora.

O movimento feminista internacional tem pleiteado e colocado isso na pauta das políticas públicas dos países. Isso é um elemento a mais para que se faça a cobrança dessa lei.

Há também, pelo que se percebe, uma opinião pública atenta a isso. Terão que ser criados mecanismos complementares para se exercer controle e fiscalização, até por parte da sociedade e das mulheres, para que realmente se cumpra a lei. Não é automático. É um processo.

A questão da dupla jornada de trabalho, os benefícios concedidos às mulheres, como licença maternidade, por exemplo, fazem delas, na ótica do empregador, menos interessantes?
Em alguns casos sim, mas no caso brasileiro não tem grandes ônus para o empregador. O ônus é do Estado. Isso é altamente questionável, porém, situa o Brasil entre os países mais avançados do ponto de vista dessa legislação. Embora em muitos países, o tempo da licença maternidade seja muito superior.

A situação se agrava em áreas onde há prevalência masculina?
Depende. No caso dos autônomos, há uma certa paridade. Mas o que se sabe é que toda profissão que se feminiza sofre uma depreciação em relação ao que se é pago para essa função.