Ângela Melo: As mulheres e o trabalho

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mulher operáriaQuando o assunto se trata de mulher, trabalho e a desigualdade de gênero – palavra que está ficando tão abjeta para certos setores — é fundamental que comecemos com um resgate histórico que envolva como se deu, no desenvolvimento do sistema capitalista, a divisão de papeis e o espaço que homens e mulheres ocuparam na sociedade, enquanto estrutura basilar do capitalismo.

Por que estrutural? Porque estamos lidando com algo que está na base social da opressão e da desigualdade: a divisão sexual do trabalho. Um conceito já trabalhado nos primeiros escritos de Marx, quando da sua análise sobre a divisão social do trabalho, mas requintado com temperos importantes da socióloga francesa Daniele Kergoat.

Kergoat considera dois princípios como organizadores da divisão sexual do trabalho: a hierarquia e a separação. Primeiro, a hierarquia que considera o trabalho dos homens mais valoroso que o das mulheres, mesmo quando ocupam o mesmo espaço. Segundo, a separação do que é trabalho de homens e de mulheres, ou seja, quando se separa os espaços que cada um deve ocupar na sociedade. Nessa configuração, os homens ocupam o espaço público e os espaços de poder, enquanto as mulheres ocupam o espaço privado, os espaços domésticos e de relações pessoais.

Essa sistematização nos dá a clareza de que a divisão sexual do trabalho não pode ser traduzida somente em estatísticas sobre as diferenças da inserção da mulher no mercado de trabalho, mas sim na sua complexidade, caracterizada pela categorização do que deveria ser o homem e a mulher no processo de acumulação do capital. Essa problematização aprimora o conceito de lutas de classes, destacando não só o proletariado e a burguesia, mas o conjunto da realidade do trabalho, que envolve a hierarquia e a separação entre os gêneros.

Resultado da luta feminista pela garantia dos direitos civis no final do século XX, as mulheres passam a ocupar outros espaços para além do doméstico, se inserindo, a partir daí, no mercado de trabalho. Entretanto, com duas caracterizações importantes: discriminação, seja nos postos de trabalho ou na defasagem salarial; e acúmulo de jornada, com a continuidade do trabalho doméstico.

O relatório “Progresso das Mulheres no Mundo: 2015 – 2016: Transformar Economias para Realizar os Direitos”, realizado pela ONU Mulheres, divulgou em abril de 2015 que, a nível mundial, os salários das mulheres são 24% inferiores aos dos homens que desempenham as mesmas funções.

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo DIEESE confirma e agudiza o cenário mundial. Apesar de uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho nos últimos anos, os seus salários são de 25% a 30% inferiores aos dos homens, além da priorização de empregos com piores condições de trabalho, com remunerações baixas e sem carteira assinada.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em conjunto com a Secretaria Especial de Política para as Mulheres do Governo Federal, realizou o estudo “O  desafio do equilíbrio entre o Trabalho, a Família e Vida Pessoal”,  divulgado no final de 2014, mostrando que um dos principais fatores de desigualdade na inserção no mercado de trabalho entre homens e mulheres está exatamente na dificuldade de conciliação entre o trabalho e família por parte da população feminina.

Temos, portanto, o cenário em números que coloca abaixo o pretenso êxito da emancipação das mulheres pelo fato de ocuparem o mercado de trabalho, refletindo, sobretudo, o processo histórico que se deu na divisão sexual do trabalho, como base do capitalismo e do patriarcado.

São as mulheres que acumulam uma dupla ou até tripla jornada de trabalho, unindo o trabalho doméstico ao seu fazer profissional fora do lar. Ao mesmo tempo, apesar da emancipação feminina, a desvalorização da mulher no mercado de trabalho continua sendo perpetuada, seja nos salários inferiores ou mesmo nos subempregos. Nesse sentido, são as mulheres as mais afetadas pelo desemprego, como mostra a última pesquisa do IBGE, que aponta que no total de 260 mil desempregados no ano de 2015, 200 mil são mulheres.

Por outro lado, falar da divisão sexual do trabalho, a partir de outras realidades de exclusão e da própria luta de classes, permite também que a análise sobre a mulher não se dê de forma homogênea. Se fizermos o recorte sobre a mulher negra no mercado de trabalho ou mesmo a mulher da periferia, teremos um perfil de desigualdade ainda mais acentuado.

Para demonstramos em fatos essa realidade descrita acima, o Censo Demográfico realizado pelo IBGE, divulgado pelo Instituto em outubro de 2014, mostrou que jovens e negras são os segmentos da população que têm maior dificuldade de entrar no mercado de trabalho, de ter carteira assinada ou salários dignos. De acordo com a Relação Anual de Informação Social (RAIS), o salário de uma mulher negra, no emprego formal, equivale a menos da metade do que recebe um homem branco. Assim como um perfil sobre o trabalho doméstico realizado no Brasil, que informa que quase 85% são ocupados por mulheres que residem em bairros periféricos e que, em sua grande maioria (63%), são responsáveis pela renda familiar.

Portanto, com questões específicas para as mulheres, que além de serem mulheres e lidarem com o preconceito de raça e classe, temos este horizonte da manutenção estrutural das desigualdades de gênero.

Portanto, a inserção da mulher no mercado de trabalho não retira um processo histórico que tem raízes nas relações sociais de dominação, que não foram superadas, e sim reproduzidas nos espaços públicos que eles passaram a ocupar. Como Marx e Hegel já afirmavam: a mulher é o proletariado do proletariado.

* Angela Maria de Melo é presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação Básica da Rede Oficial do Estado do Sergipe (Sintese)