Diante da ameaça de retrocesso no campo dos direitos da criança e do adolescente no Brasil com a possibilidade de se reduzir a idade de imputabilidade penal de 18 para 16 anos, venho, por meio desta nota pública, reafirmar meu posicionamento alinhado à consolidação dos direitos humanos e, portanto, contra a redução da maioridade penal.
Ao contrário do discurso comumente reproduzido pelos defensores da redução da idade penal, de que existem “dois pesos e duas medidas” (uma para os adolescentes e outra para os adultos) a injustiça que está no centro do debate acerca do rebaixamento da idade penal não tem suas raízes na idade de quem cometeu o delito, mas no contexto de desigualdades sociais e negação de direitos em que ele está inserido.
As unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei, assim como as prisões no Brasil, estão abarrotadas de jovens pobres, negros, com baixa escolaridade e que vivem nas periferias das grandes cidades: 54% dos adolescentes que cumprem medida de internação no Brasil têm apenas o ensino fundamental (ILLANUD) e em Sergipe este número chega a 70%. Ainda em Sergipe, 90% dos adolescentes em conflito com a lei pertencem a famílias que sobrevivem com menos de R$ 350, de acordo com a Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA). Assim, a redução da maioridade penal é mais um instrumento que servirá para criminalizar ainda mais nossa juventude pobre e negra, historicamente discriminada.
Essa mesma juventude que é criminalizada, é muito mais vítima do que algoz da violência: O número de assassinatos cometidos por adolescentes em conflito com a lei equivale a menos de 1% de todos os crimes cometidos no país (ILLANUD) e apenas 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros cometeu algum ato contra a vida. Por outro lado, os jovens brasileiros representam 67,1% das vítimas de armas de fogo. Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte dos adolescentes por fatores externos, enquanto para a população total, esta taxa é de 4,8%. E o número de assassinatos de jovens só cresce no país: nos últimos 23 anos, aumentou 591,5% (Mapa da Violência-Flasco Brasil).
Sou contra qualquer forma de violência e reitero que defender a não redução da idade penal não é defender a violência nem a impunidade. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê sete medidas socioeducativas, que penalizam o adolescente pela prática do ato infracional, levando em consideração sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. A mais rígida é a privação de liberdade, mas as medidas de liberdade assistida, semiliberdade e unidades provisórias também restringem a liberdade dos adolescentes.
Mesmo diante da fragilidade e das dificuldades de implementar o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE , lei em vigor desde 2012, as unidades de medidas socioeducativas ainda cumprem papel determinante no processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei: A taxa de reincidência de crimes no sistema prisional é mais do dobro da registrada no sistema socioeducativo: 70% contra 30%. Outro entrave é a superlotação do sistema prisional brasileiro, que já conta com o triplo de detentos que os espaços das penitenciárias comportam.
Propagandeada por setores conservadores aliados à grande mídia comercial como solução “mágica”, a medida não resolverá o grava problema da violência urbana, pois busca apenas soluções imediatistas e que não incidem na essência do problema. Para combater a violência, é preciso construir um modelo de segurança numa perspectiva libertadora, por meio de políticas de segurança mais humanizadas e que sejam transversais, perpassando as políticas educacionais, culturais, de esporte e lazer; é preciso garantir os direitos fundamentais para não precisar punir, retirando a liberdade. Em suma, é preciso construir um modelo de sociedade que crie mais escolas e espaços de socialização do conhecimento e da cultura e menos prisões.
Ana Lúcia Vieira Deputada estadual (PT-SE) Coordenadora da Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente da Assembleia Legislativa de Sergipe