Guardiões da moral masculina?

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(Ernesto Germano Parés – novembro/2009)

No final dos anos 1990 e início deste século, no norte no México, uma onda de assassinatos de mulheres causou protestos no mundo inteiro. Até 2003, segundo levantamento de algumas instituições, mais de 600 mulheres haviam sido violentadas, brutalizadas e mortas. Já escrevi sobre a onda de feminicídio no México e gostaria de lembrar apenas as palavras do ex-governador de uma das cidades onde as mulheres eram assassinadas: “as responsáveis são elas, por levarem esta vida”. O ex-governador do estado de Chihuahua, Francisco Barrios, usou esta frase tentando dizer, em um programa de televisão, que as mulheres “pediam por isto” porque usavam roupas provocantes.

A Guatemala vive, nestes últimos dois anos, uma situação semelhante de feminicídio. Curiosamente, dois países que seguem a cartilha liberal e que são dirigidos pela direita mais retrógrada do continente.

Por que esta introdução?

Por que neste final de semana, lendo alguns jornais brasileiros, lembrei do meu tempo de estudante, no ginásio. Eram os primeiros anos da década de 1960 e a diretora do colégio onde eu estudava mandava as inspetoras de disciplina ficarem no portão medindo o comprimento das saias das meninas. Curiosamente, aquela diretora era ferrenha defensora do senhor Carlos Lacerda, fazia sua campanha política abertamente, dentro do colégio, e enalteceu o golpe militar de 1964. Por sorte, saí de lá pouco depois!

Na Europa, atualmente, o reaparecimento do nazismo em alguns países tem a mesma característica: pretendem impor um extremo controle sobre as mulheres e não admitem a participação delas na vida social e política. Bandos de “cabeças peladas”, com os corpos cultivados e musculosos, cheios de tatuagens nazistas, andam pelas ruas agredindo – moral e fisicamente – as moças que usam roupas que eles consideram imorais. Curiosamente, este sempre foi o credo assumido pela direita: a mulher tem que ser submissa e dominada.

Lembrei ainda de um fato recente, no Rio de Janeiro, quando um grupo de “rapazes” da zona sul agrediu uma empregada doméstica num ponto de ônibus. Presos, deram uma desculpa bem simples: “pensamos que fosse uma prostituta”! E o pai de um deles ainda foi para os jornais dizer que “não foi nada de mais, mulher fica roxa com qualquer coisinha”! Pelas duas declarações já podemos ver o tipo de ideologia!

No século XIX, um certo filósofo renano – Karl Marx – espantou a sociedade da época ao dizer que “a exploração do homem pelo homem começou com a exploração da mulher pelo homem”. Quase dois séculos já transcorreram desde aquele escrito e alguns homens ainda não aceitam que a mulher tenha sua independência social.

Aceitam a independência econômica, até incentivam que a mulher entre no mercado de trabalho. Acham isto bom, porque viram consumidoras, mas recebem salários menores! Admiram as mulheres que fazem o papel de “homens do sistema”, como Margareth Tatcher ou Condollezza Rice. Mas jamais aceitarão que a mulher alcance sua independência como pessoa, como ser humano que pode e deve tomar suas próprias decisões.

Volto, então, aos jornais que eu lia nesse final de semana prolongado. Ainda que não seja meu assunto preferido para ler e comentar, fiquei preocupado com o caso da estudante Geisy Arruda, agredida em uma universidade paulista porque estava com um vestido curto. Mais espantado ainda eu fiquei quando descobri que não é o primeiro caso relatado naquela universidade. Quantos ainda podem ter ficado escondidos porque, na nossa sociedade, a mulher é levada a se envergonhar e ficar calada com as agressões que sofre?

O que mais me impressionou no fato foi a ideologia que estava por trás das agressões. Um bando de cafajestes, imbuídos de que são os verdadeiros e únicos defensores da moral, acha-se no direito de hostilizar uma colega, estudante como eles, por haver escolhido uma roupa! Igualam-se aos covardes mexicanos e guatemaltecos que assassinam mulheres na calada da noite ou aos neonazistas que aterrorizam as moças européias.

Mais uma vez, minha memória me leva para os idos da década de 1960 quando, também em São Paulo, grupos de extrema direita dominavam a Universidade Mackenzie e agrediam estudantes pobres de outras escolas. Usando a bandeira do “anticomunismo” (o tristemente famoso “comando de caça aos comunistas”), agrediam impunemente outros estudantes e ainda eram acobertados pelas autoridades locais.

Hoje, pego a matéria sobre a agressão sofrida pela Geisy, e vejo (confesso que surpreso e assustado) a declaração do vice-reitor, um tal Ellis Wayne Brown, dizendo que não haverá punição para os alunos e que a agressão foi cometida por “pessoas estranhas ao campus”.

Mas, como comentei acima, quando uma mulher se submete a defender a ideologia dos homens ganha espaço e vira “estrela”. A pressa em condenar Geisy e inocentar os cafajestes que a agrediram fez a imprensa dar espaço a uma certa consultora de moda (Glória Kalil) que se apressou a dizer que “a Geisy errou ao escolher a roupa”! Certamente as vendas dessa senhora aumentarão. Todas as famílias “de bem”, paulistas, correrão para sua loja. Afinal, ela está defendendo os seus filhinhos canalhas. Só faltou, como no caso do Rio, algum pai ir para o jornal chamar a estudante de prostituta.

São essas pessoas que jamais aceitarão que a mulher verdadeiramente se liberte e assuma seu papel social. Eles fazem um falso discurso da “liberação” da mulher, enquanto ela atende ao “deus mercado”, mas jamais aceitarão que ela tenha opinião política ou mostre sua força, sua vontade própria. Aí serão difamadas!