De moscas, aranhas e outros bichos

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franklin

Há algo estranho no reino da Dinamarca. Parafrasear Willian Shakespeare franklinem uma das mais célebres fases da sua Hamlet – nessa versão o vocábulo estranho substitui, por mero capricho, podre – é algo imperioso.

Duas semanas atrás, toda a grande mídia brasileira alardeava, com satisfação incontida, que o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – demonstrara o fraco desempenho das escolas pública desse segmento da educação. Foi uma festa repetida como um mantra em todos os grandes jornais e sites da chamada grande imprensa.

Ontem, o Portal iG, e só ele, divulgou a seguinte manchete: Entre 50 faculdades que mais aprovaram, só 3 são privadas. A matéria trata dos dados preliminares do Exame de Ordem – o exame obrigatório que bacharéis em Direito fazem para ingressarem nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil e poderem advogar.

Uma leitura mais detalhada demonstra que nenhuma empresa privada da educação conseguiu aprovar pelo menos 50% dos alunos delas egressos na prova da OAB e que a primeira faculdade privada do ranking nacional, aparece na 26ª colocação, com 44,59% de aprovação. A Universidade Federal de Sergipe é a primeira colocada do Brasil, com 69,44% (parabéns aos professores e alunos!).

Mesmo da análise do ENEM, escondeu-se que bom número das escolas federais voltadas ao ensino médio, nos diversos estados, encontra-se entre as primeiras colocadas na avaliação. E, esquecimento pior, na média nacional, no ENEM de 2010, os alunos da escola pública obtiveram resultados 11% melhores do que em 2009, contra um crescimento de 8% nas notas da rede privada.

Tais notícias não ganharam nenhum – absolutamente nenhum – destaque midiático, ao contrário da avaliação apressada dos especialistas de jornais.

O tratamento desigual emprestado pela grande imprensa não é despropositado. Agindo como fiandeiras, as glândulas responsáveis pela produção do material das teias das aranhas, tentam engendrar uma unidade de pensamento no grande público, envolvendo-o nos seus fios com o objetivo de lhe comer as entranhas.

O apego à desqualificação do público não é um comportamento idiossincrático na mídia dominante, decorrente do acaso, ao revés, trata-se de algo milimetricamente engendrado e uniformemente estabelecido, com objetivos claros e torpes.

Doutra banda – e no mesmo rumo – a mesma imprensa alardeia, secundada por subservientes e incautos, uma suposta fúria arrecadatória do poder público. Faz-se coro contra impostos, creditando à sua existência todos os males da humanidade.

Dedica-se, a soldo de um grupo que tenta dominar mentes e corações, a provar, despudoradamente, que os governos tiram muito dinheiro do povo e sempre gastam mal, apresentando como prova o fraco desempenho da escola pública, verbis gratia. E consegue convencer boa parcela da população crédula e os incapazes de ler criticamente a própria realidade.

Cambaleantes, pelos revezes rotineiros dos últimos tempos que desnudam a fragilidade dos argumentos do deus-mercado – ávido pelo lucro exacerbado à custa de efêmera e aparente prosperidade, mas carregado de injustiças sociais – os defensores desse Estado absenteísta não se quedaram, continuam a impregnar largamente a sociedade com o seu ideário, através dos meios de comunicação.

Por óbvio, não se pode, nem se pretende aqui, escamotear e esconder os malfeitos tão usuais nas promíscuas relações entre parte significativa dos gestores públicos e pedaço importante da iniciativa privada varejeira que financia a corrupção, sob os auspícios de olhos semicerrados de instituições encarregadas de sua punição. Entretanto, é desonesto furtar-se à sociedade a apresentação da verdade, seguindo cegamente a lógica dos interesses de grupelhos, ainda que portentosos.

Acaso não se defenda, qual leoas à sua prole, o Estado capaz de fazer ascender aos pobres, restar-se-á carpir a sorte sobre os escombros que sobrarem do poder público.