Durante a Segunda Grande Guerra, governava a Dinamarca e a Islândia o Rei Christian Carl Frederik Albert Alexander Vilhelm, ou Cristiano X, filho mais velho do Rei Frederico VIII. Com a invasão alemã, sob a justificativa de serem os dinamarqueses tão arianos quanto os alemães, Hitler resolveu não confrontar o rei e transformar aquele país nórdico em um modelo de governo, garantindo-lhe certa autonomia.
Essa condição especial garantiu ao rei a possibilidade de promover a resistência pacífica aos invasores, a tal ponto que, quando o Reich expediu a ordem para que todos os judeus passassem a usar a “Estrela de Davi” pintada em uma faixa que deveria permanecer permanentemente atada em um dos braços, o Rei Cristiano disse que todos os dinamarqueses eram iguais, ordenando que todos fizessem uso daquela identificação mesmo não sendo judeus. Ele próprio, na manhã seguinte, em sua cavalgada diária pelas ruas da capital colocou no seu braço a faixa, sendo seguido no ato por todos os súditos, até quando os alemães desistiram da ordem.
No último dia 22 de julho, um fascista norueguês explodiu prédios e assassinou quase setenta pessoas, em protesto contra a política de imigração da Noruega, que possibilita o ingresso de muçulmanos naquelas plagas. Em longo manifesto, atacou a miscigenação de raças e criticou vários países que abriram as suas fronteiras, possibilitando a entrada de trabalhadores empobrecidos que deixaram os seus países sonhando com uma vida melhor.
No pensar cultuado por ele e pelos xenófobos da direita, inclusive dos brasileiros, os pobres vindos de outras terras tiram as oportunidades dos locais
O ato tresloucado do jovem é fruto da mais torpe exacerbação do individualismo cultuado na atualidade. É o império absoluto da máxima popular “farinha pouca, meu pirão primeiro”, tão corrente e praticada nos dias de hoje.
A solidariedade e o altruísmo perderam a vez, sucumbiram ante a necessidade de se consumir mais; ante o “cantar de sereias” do ter – e ter mais, de preferência: ter mais roupas e adereços de griffe, mais jóias, mais dinheiro, o celular e o computador mais modernos, o corpo mais malhado, mais parceiros sexuais e namorados (as)… Tudo é objeto de consumo, inclusive o próprio ser humano.
Não há limites possíveis de nos serem impostos e os obstáculos à possibilidade de ter mais devem ser eliminados. Essa a lógica da insensatez presente em cada projétil disparado na Noruega.
Fico a me perguntar quantos de nós seriamos capazes de fazer como Cristiano e o povo dinamarquês fizeram no passado; resistir à tentação de alcançar a graça da simpatia do poder, às facilidades oferecidas pelos poderosos?
O resgate da importância da partilha, o fim do egocentrismo e do consumismo e recordarmos sempre que todos somos iguais é tarefa urgente e extremadamente necessária, sob pena de nos tornarmos bestiais, insensíveis e cúmplices do assassino de Oslo.