Vão-se quase 30 anos desde quando o velho Sobral Pinto – advogado de direita por opção ideológica que se notabilizou por defender militantes de esquerda das garras dos regimes ditatoriais, desde Vargas até a Ditadura Militar – emocionava milhões de pessoas Brasil afora, declamando, na Candelária, durante o Comício das Diretas Já, a profissão de fé democrática contida no § 1º do art. 1º da Constituição de 1967, então, jogada às traças, mas assim grafada:
“Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”.
De lá prá cá, o texto constitucional – que no último dia 05 de outubro completou 23 anos – incorporando os belos clamores populares por democracia foi alterado. Editou-se o parágrafo único do art. 1º da Carta Constitucional de 1988, com a seguinte redação:
“Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Já não cabe mais que alguém se arvore no direito de exercer o poder sem se submeter à vontade popular majoritariamente demonstrada, pois somente o povo, ou os seus representantes eleitos diretamente, podem fazê-lo.
Essa regra, entretanto, acabou sendo responsável pela existência de uma grande contradição inserida no seio da Lei Maior – para o desassossego dos teóricos do Direito que garantem não poder existir contradição inserida dentro de uma mesma Carta Política (ainda acalento o propósito de fazer um Mestrado dedicado a estudar o assunto).
Com efeito, o Estado brasileiro se organiza dividido em três poderes, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Os dois primeiros são exercidos por representantes eleitos diretamente pelo povo e os seus atos, portanto, estão substanciados em legitimidade outorgada por esse, muito embora, nem sempre tais representantes expressem os anseios da população, em decorrência dos vícios que maculam o processo eleitoral do Brasil, especialmente a utilização institucionalizada do poder econômico.
O Poder Judiciário, entretanto, é exercido por juízes que são selecionados através de concurso público, ou nomeados após processo de escolha de competência exclusiva, ora de advogados, ora do Ministério Público, ou, pior, do Chefe do Poder Executivo. Salvo no caso da instituição do Júri Popular, nenhum sinal da vontade do povo se pode encontrar no exercício do poder “de dizer o Direito”. Aí a contradição inafastável: não há dúvida de que o Judiciário é um Poder, mas afastado da cláusula pétrea mencionada alhures.
A sua legitimidade decorre exclusivamente da disposição legal. Os ventos democráticos não o refrescam, muito ao revés, dele, passam à distância.
E ele, faz questão de explicitar-se o mais elevado dos poderes à plebe da qual deveria ser serviçal. Os trajes, os ritos, o linguajar, a opulência dos seus prédios, tudo é metódica e propositadamente preparado para deixar transparecer a imagem de um poder inalcançável, quase etéreo, encastelado no “Cume Olímpico”.
Não raro, as Sentenças prolatadas emparedam o direito do povo. Amesquinham-no, mais das vezes, em benefício de poucos.
Luminares são escolhidos pelo Presidente da República para interpretarem a Constituição e reverem, em derradeira instância, as decisões prolatadas nas entrâncias inferiores. Eternizam-se – enquanto duram, para recordar Vinicius de Morais – e engessam as suas próprias decisões, tornando-as vinculantes, inquestionáveis pelos mortais.
A concentração de poder nas mãos de alguns é tão grande que se fazem parecer superiores, até mesmo, aos representantes eleitos por quem, de fato, detém o poder, pois esses são portadores passageiros da ”procuração” que receberam da população.
Inobstante não acredite na fórmula de eleições de juízes, tenho por certo que há a necessidade de se repensar a Justiça pátria. Sem receios, contaminá-la com a brisa suave e continua da Democracia; abandonarmos modelos concebidos no Século 19 e abrindo-lhe as janelas e as portas, parafrasearmos João XXIII: o Judiciário precisa de luz.