Rápida análise da previdência – parte 2

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franklin

UMA BOMBA RELÓGIO

Claro está que, aparentemente, nada obstante o enrijecimento das regras para a aposentadoria franklina partir de 1998, apenas os servidores públicos vinculados a regime próprio que tenham ingressado no serviço público antes de 2004 não serão prejudicados no futuro.

Mas as aparências enganam. E muito…

É que os governos trataram de montar uma bomba relógio de dimensões extraordinárias, incomensuráveis.

Desde antes da primeira reforma da previdência, em 1998, está-se gestando a quebra de direitos adquiridos no âmbito da previdência. E, em um jogo de xadrez muito bem estruturado, vem sendo construída ao longo de todos esses anos um xeque mate. Como estratégia para essa cartada final, constrói-se, em passos largos e calculados, a conquista da opinião pública.

Foram instituídos dois fundos distintos e incomunicáveis entre si para o pagamento dos benefícios dos servidores públicos: um para aqueles que entraram antes de 2004 e outro para os que ingressaram no serviço público a partir de então. No caso do Estado de Sergipe, esses fundos têm o apelido de FINANPREV e FUNPREV, o primeiro para os servidores mais antigos, o segundo para os mais novos.

O primeiro dos fundos, ante a irresponsabilidade gerencial anterior – apenas para ficar em três exemplos dessa irresponsabilidade: os recursos da previdência estadual serviram para a construção de conjuntos habitacionais e a compra de veículos para a Polícia Militar, em instantes distintos e, em um terceiro momento, foram engolidos pela conta única do Estado – que não deixou as contribuições capitalizarem ao longo dos anos, é deficitário.

Vale dizer, todo mês o Tesouro completa com recursos próprios o montante destinado ao pagamento dos benefícios dos aposentados e dos pensionistas a ele vinculados, pois o total das contribuições vertidas mensalmente para o fundo é insuficiente para pagar os proventos e pensões já concedidos.

Acontece que os servidores vinculados a esse fundo, a cada dia mais, vão preenchendo os requisitos para a aposentadoria, ou vão falecendo e deixando pensionistas.

Ou seja, quase que diariamente, aumenta o número de pessoas que sacam dinheiro do fundo e diminui o número de contribuintes6. Traduzindo: aumenta o déficit previdenciário.

Como o Tesouro tem a obrigação legal e moral de pagar os benefícios, segue arcando com a despesa.

Acontece que a aposentadoria dos servidores, ou a sua morte, provoca a necessidade de contratação de novos servidores com o fito de manter e ampliar a prestação do serviço público para a população em geral.

Urge nova tradução: a despesa com pessoal vai aumentando de modo assustador e em um futuro não muito distante, tende a gerar a impossibilidade de concessão de reajuste para os servidores que estão trabalhando, ou de contratação de novos servidores, afetando violentamente o serviço oferecido ao povo (o estado terá que diminuir de tamanho. É chegado o céu do neoliberalismo), ou as duas coisas ao mesmo tempo.

E a culpa, é claro, não será do gestor irresponsável que desviou os recursos públicos, lá atrás, para outras finalidades. Será das regras que garantem direitos adquiridos, será dos servidores aposentados. Necessária uma terceira reforma da previdência que arroche, ainda mais as normas e afaste a garantia constitucional do direito adquirido, sob pena de falência do próprio Estado, sem prejuízo da sua redução e do arrocho salarial dos servidores, é lógico. O quadro que pinta o futuro é tenebroso.

Para evitar o “triste fim de Policarpo Quaresma”7, é necessário que, imediatamente, a representação dos trabalhadores encare a discussão de frente e que os servidores públicos, inclusive e especialmente os já aposentados, mobilizem-se produzindo alternativas a esse plano urdido na surdina, com precisão maquiavélica, sob pena serem trucidados e condenados à “morte”, tal qual o fiel funcionário público do romance.

Ditas alternativas, seguramente, deverão ser duras, mas não poderão recair, mais uma vez, nas costas do trabalhador, que já deu a sua parcela de sacrifício nas duas reformas da previdência promovidas em 1998 e em 2003.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 O vocábulo aposentadoria advém do latim pausare de onde derivou pousar, pouso, pousada, repouso, dentre outras.

2 KERTZMAN, Ivan. Curso prático de direito previdenciário. 4. ed. Salvador: Jus Podium, 2007. p. 37.

3 Essas regras estão previstas no art. 201 da Constituição Federal.

4 Derterminações do art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.

5 Normas do art. 40 da Constituição Federal. A regra de reajuste foi adotada pelo art. 15 da Lei Federal nº 10.887, de 18/06/2004, com a redação dada pela Lei nº 11.784, de 2008.

6 No corrente ano de 2010, noticia-se que entre de 1800 a 2000 professores teriam requerido a aposentadoria na rede estadual.

7 Peço licença ao grande autor Lima Barreto para fazer uso da expressão, pois me parece que a situação é semelhante à do personagem imaginado pelo grande escritor.