Três horas nos separam do encerramento da Conferência Nacional de Educação. Durante o evento postei meus comentários e espero ter fornecido, mesmo que parcialmente, um pouco do que aconteceu neste espaço democrático de discussão.
De maneira preliminar posso dizer que considero o saldo do evento como positivo para todos aqueles comprometidos com a educação pública de qualidade.
Em primeiro lugar, por que o conjunto das proposições aprovadas aponta para a ampliação do acesso do povo brasileiro, especialmente o mais pobre, a educação pública. Em tempos neoliberais (há quem diga que estes tempos já se foram, mas a dura realidade insiste em dizer o contrário) a reafirmação da educação como direito público é mito importante.
Em segundo lugar, a Conferência conseguiu aumentar o patamar de consenso sobre a necessidade da constituição de um Sistema Nacional de Educação, que pressupõe a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados, a distribuição clara de responsabilidades e uma redefinição do papel dos conselhos de educação. Aliás, a aprovação da proposta que estabelece que os conselhos sejam normativos, deliberativos e autônomos foi uma grande vitória democrática.
Em terceiro lugar, esta Conferência foi permeada pela consolidação do conceito do “custo aluno-qualidade”. Foram aprovadas propostas que colocam o CAQ como um ponto essencial na formatação de um novo modelo de financiamento educacional. O CAQ conseguiu se firmar como a materialização do padrão mínimo de qualidade, conceito que vagava por nossa legislação sem que se tornasse algo concreto. Saímos de uma dinâmica de ver quanto temos para aplicar em educação e iniciamos um novo estágio, onde o importante é pensar o quanto precisamos aplicar para termos uma educação de qualidade.
Em alguns momentos me veio à memória o saudoso Florestan Fernandes e sua gloriosa batalha de décadas atrás para que as verbas públicas fossem utilizadas exclusivamente para financiar instituições públicas. Na Conae esta consigna foi aprovada em vários formatos. Com isso foi possível aprovar prazo para congelamento e posterior extinção dos repasses de recursos para instituições conveniadas na educação básica. Infelizmente ainda não foi possível igual procedimento em relação à destinação de recursos a iniciativa privada via isenção fiscal, mas pelo menos ficou caracterizado que este tipo de atitude deve ser transitória.
Em quarto lugar, o debate de financiamento se tornou um eixo estruturante da conferência. Foi aprovado o aumento dos percentuais de vinculação obrigatória para a educação, passando a união de 18% para 25% e os estados, distrito federal e municípios de 25% para 30%, não somente de impostos e transferências, mais também dos demais tributos. Ficou estabelecido que até 2011 deve-se aplicar o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto em educação e este percentual chegará a 10% em 2014.
Além disso, foi aprovado que neste processo o valor da complementação da união destinada ao Fundeb deve passar de 0,16% do PIB (2009) para 1% do PIB, como forma de viabilizar a implantação do custo aluno-qualidade.
Em todo o debate de financiamento ficou estampada a necessidade da redefinição do papel da União, pois é o ente federado que pode promover a elevação dos percentuais de aplicação direta em educação, promovendo uma diminuição da desigualdade regional, social e racial.
Em quinto lugar, foi apontado um formato de institucionalização das conferências de educação, que ocorrerão de quatro em quatro anos, precedidas de espaços equivalentes nos estados e municípios. Será criado um Fórum Nacional de educação, instância não-governamental que organizará o processo democrático e terá uma composição espelhada na conseguida para organizar a Conae. Caberá a este fórum influenciar decisivamente na elaboração do futuro Plano Nacional de Educação, que precisa ser aprovado até o final deste ano.
Em sexto lugar, foram aprovadas as diretrizes para a elaboração do novo PNE, nas quais são apontadas metas audaciosas de inclusão educacional.
Este é o balanço do dia de hoje. O desafio é tornar este conjunto de resoluções um fator de mobilização social para influenciar nas mudanças aprovadas. Suas deliberações provocarão mudanças constitucionais, reformulação da Lei de Diretrizes e Bases e servirão de base para o novo PNE. Mas isso não está garantido, dependerá da mobilização da sociedade civil, seja dos setores estudantis, dos trabalhadores em educação, das organizações não-governamentais e também dos gestores educacionais.
Por fim, havia um temor muito grande de que a Conae seria muito “governista”, ou seja, uma conferência “chapa-branca”. Realmente a maioria dos delegados demonstrou uma simpatia pelos programas e projetos governamentais e o MEC não foi alvo de protestos e questionamentos relevantes. Não é preciso nem comentar a recepção calorosa que os delegados ofereceram ao presidente em sua visita.
Contudo, o conjunto de resoluções aponta claramente para uma elevação do grau de cobrança para que o governo aprofunde a universalização das políticas públicas e eleve a sua participação financeira no financiamento do setor.
Vamos esperar os desdobramentos do evento. Aliás, esperar não é a melhor forma de tornar realidade suas decisões. Vamos nos mobilizar para que seus avanços se tornem políticas públicas nos próximos anos.
Uma feliz páscoa para todos os que ajudam a este blog ser uma ferramenta de informação e formação na área educacional.