Uma escola pública, de qualidade social e popular: partindo deste princípio, o professor Evanilson de França, em parceria com outras colegas professoras, cria nos idos anos de 2005, o projeto SENTIREIS (Sentir para transformar, resistir para erradicar as injustiças sociais), na Escola Estadual Professor Benedito Oliveira, localizada no Conjunto Orlando Dantas, em Aracaju.
O objetivo que norteava o projeto há 20 anos, e que ainda hoje o norteia, era fomentar a participação ativa (em todas as suas dimensões, incluindo os processos decisórios) da comunidade escolar, da comunidade local e dos movimentos sociais. O objetivo foi e segue sendo alcançado. O SINTIREIS cresceu e tornou-se o hoje aclamado e reconhecido, nacional e internacionalmente “Projeto Alma Africana: reconhecendo as diferenças, esperançando a equidade”.
Um projeto que carrega em sua essência a esperança, o antirracismo e a luta por um currículo escolar decolonial, que busca romper com a “exclusividade” de uma história eurocêntrica ainda perpetuada nos saberes, conteúdos e no dia a dia de nossas escolas públicas.
Em seu currículo o Projeto Alma Africana, atualmente desenvolvido no Centro de Excelência Nelson Mandela, em Aracaju, recebeu prêmios importantes como o Selo ODS 2023, o Troféu ODS 2023, o Selo ODS 2024, o Prêmio Educar com Equidade Racial e de Gênero (2024). E no início deste ano de 2025 foi premiado com o Selo ODS Educação 2024, que tem o reconhecimento da ONU, sendo o Alma Africana o único representante do Nordeste, da escola pública e da Educação básica, a receber tal horaria.
“Nossa utopia (possível) era, e é, a construção de uma escola que, além de atentar-se às lutas populares, também se colocasse nas trincheiras para a defesa e fortalecimento das oprimidas e oprimidos”, explica o professor Evanilson de França.
Para comemorar este 20 de existência e resistência do Projeto Alma Africana e também conhecer mais de perto essa brilhante e premida história, conversamos com o professor Evanilson de França, em entrevistas.
Mas antes, o SINTESE aproveita este espaço, para mais uma vez, parabeniza a todas, todes e todos que fazem o projeto Alma Africana, em nome do professor Evanilson Tavares França, que há 20 anos, junto com estudantes e outros professores envolvidos, segue com força e garra acreditando na construção de uma a educação antirracista e decolonial pela busca de um currículo outro, de uma escola outra, de um mundo outro.
É fundamental o reconhecimento por parte do Governo do Estado e da Secretaria de Estado da Educação do projeto Alma Africana e tantos outros projetos pedagógicos desenvolvidos por professoras e professores da Rede Estadual de Ensino. Tais projetos demonstram o compromisso da nossa categoria com a educação de Sergipe e com o futuro de milhares de crianças e jovens que ano após ano adentram em nossas salas de aula, mesmo diante de um cenário de desvalorização que estamos vivenciando.
Acompanhe abaixo a entrevista com o professor Evalison Tavares de França
SINTESE – Como iniciou o projeto Alma Africana? De onde surgiu a ideia/necessidade de sua criação?
Professor Evanilson- O “Projeto Alma Africana: reconhecendo as diferenças, esperançando a equidade” nasceu em 2005, na, então, Escola Estadual Professor Benedito Oliveira, instituição do sistema estadual de educação (Sergipe), que se encontra localizada no Conjunto Orlando Dantas.
Ainda não lhe havíamos batizado com o nome que lhe deu reconhecimento. À época, chamava-se SENTIREIS (Sentir para transformar, resistir para erradicar as injustiças sociais). O projeto foi criado por mim, Evanilson Tavares de França e pela professora Jailde dos Passos Professor. Na primeira hora de sua criação, além dos seus cofundadores, o Sentireis contou com a coordenação insubstituível das professoras Givalda da Silva Santos e Angela Maria Cruz de Jesus.
A ideia de criação do projeto transitou pela necessidade de erguer uma escola pública, popular e de qualidade social. E naquela época, assim como hoje, não conseguíamos conceber educação formal pública sem a participação ativa (em todas as suas dimensões, incluindo os processos decisórios) da comunidade escolar, da comunidade local e dos movimentos sociais. Nossa utopia (possível) era e é, portanto, a construção de uma escola que, além de atentar-se às lutas populares, também se colocasse nas trincheiras para a defesa e fortalecimento dos oprimidos.
Coincidiu, entretanto, o que foi perfeito, de nos alinharmos a uma lei federal, instituída no Governo Lula (Lei nº 10.639/2003), que estabelecia a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Isso foi fundamental para a apresentação e defesa do projeto no interior da escola.
Já no primeiro ano, o Alma Africana (então, Sentireis) deu o primeiro prêmio à escola que o sediava, o Prêmio Gestão.
SINTESE- Do início do projeto para hoje o que mudou? Onde se concentrou a atuação do projeto? E quais os desafios?
Professor Evanilson- Mudou muita coisa, a iniciar pelo seu nome. Porém, a mudança mais substantiva diz respeito às ações que o estruturam. Nos seus primeiros anos, o Alma Africana (ainda como Sentireis) trabalhava com a pesquisa bibliográfica; com o lançamento de antologia poética; com a formação de professores e estudantes, a partir dos diálogos com os movimentos sociais; com a produção de material para exposição e com o seminário de cidadania ativa, momento em que a escola é aberta para a comunidade e os estudantes socializam suas pesquisas com o público presente.
Esta última ação é um verdadeiro tapa na cara do currículo eurocentrado, que continua olhando para o educando como se tábula rasa fosse, isto porque, em vez de convidarmos pesquisadores, professores e/ou militantes para falarem apresentarem os seus saberes para o corpo discente, são as meninas e os meninos que apresentam os seus conhecimentos para aos convidados.
De 2009 para cá, além destas ações, acrescentamos mais dez. Hoje, atuamos com a dramaturgia nos territórios do teatro negro; exibimos filmes que se debruçam sobre temáticas étnico-raciais negras; realizamos vivências em comunidades quilombolas, já trabalhamos com mais de 20 quilombos sergipanos; oferecemos um almoço afrodiaspórico preparado pela coordenação do projeto e por estudantes; fazemos pesquisa de campo intuindo detectar a percepção do racismo em Sergipe; desenvolvemos a virada pedagógica, quando, por mais de doze horas, ininterruptas, das 18h de uma sexta-feira às 7h do sábado, discutimos, assistimos, socializamos práticas culturais afrodiaspóricas.
Instituímos os troféus “Malungo” e “Alma Docente” para prestigiar aquelas e aqueles que compõem a rede de apoio e solidariedade que assegura a realização do projeto; criamos a formação para as diferenças destinadas ao público em geral, com apoio do NEABI/UFS; estamos implantando o “Mina Batalha de Rima”, que premiará as improvisações poéticas das mulheres negras cis, trans, travestis, as quais comporão uma antologia; alargamos as discussões/reflexões incluindo, nelas, o combate à LGBTfobia, o machismo e também iniciamos os estudos sobre o Mulherismo africano.
Inserimos o Alma Africana como projeto de extensão da UFS, entre outras ações que deram ao projeto diversas premiações, tais como: o Selo ODS 2023, o Troféu ODS 2023, o Selo ODS 2024, o Prêmio Educar com Equidade Racial e de Gênero (2024), o Selo ODS Educação 2024.
Na escola que o projeto vem sendo implementado deste 2023 [Centro de Excelência Nelson Mandela], ainda não conseguimos implementar todas as ações, visto que é preciso criar uma cultura curricular outra, o que requer tempo e paciência histórica.
SINTESE- Com você acabou de colocar, o Alma Africana um projeto é premiado. Qual a importância destes prêmios no cenário sergipano, nacional e internacional?
Professor Evanilson- Desde o seu primeiro ano o projeto vem alcançando reconhecimento através de premiações. Mas isso tornou-se ainda mais profícuo em 2023 e 2024, quando recebemos os seguintes prêmios: o Selo ODS 2023, o Troféu ODS 2023, o Selo ODS 2024, o Prêmio Educar com Equidade Racial e de Gênero (2024) e o Selo ODS Educação 2024.
No caso desta última premiação, o Centro de Excelência Nelson Mandela, unidade de ensino que acolhe o Projeto Alma Africana, desde 2023, foi a única escola de educação básica, do Nordeste brasileiro, a receber tal honraria.
Esses reconhecimentos são fundamentais. Eles demonstram que o caminho que escolhemos tem alcançado os resultados esperados. Demonstram também que é possível fazer uma escola pública dialógica, emancipatória, inclusiva, de fato – uma escola cujo currículo esgarça a racionalidade ocidental moderna (que é racista, patriarcal e capitalista). Demonstram, ainda, a potência, a criatividade, o poder de transformação que estudantes e professores carregam em seus corpos históricos.
SINTESE – Como foi ver o projeto sendo premiado pela ONU? Conta como vocês chegaram até lá e qual a sensação diante de tal honraria?
Professor Evanilson- O Selo ODS Educação é parte do programa Selo Social, uma entidade sem fins lucrativos. A relação com a ONU advém do alinhamento dessa entidade com os objetivos de desenvolvimento sustentável e com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas.
Eu lhe confesso que não tenho condições de mensurar a imensa satisfação, felicidade, alegria, impacto, gratidão, êxtase. Uma profusão de emoções que me levavam para diversos espaços e tempos. Quando fomos informados, foram tantas as viagens feitas por nós que a física newtoniana jamais explicaria.
No meu caso, em particular, eu queria mesmo estar com todos os docentes e discentes que tornaram concreto aquele projeto de 2005, queria fazer um grande encontro em torno de uma mesa repleta de pratos afrodiaspóricos, queria olhar para as/os minhas/meus ancestrais, torturadas/os, mortas/os, sequestradas/os, e dizer-lhes: “Eu não desisti! Eles continuam nos matando, mas o Axé permanece animando e agitando nossos corpos (físico e ancestral). Nós não capitulamos. Sintam-se orgulhosas/os de nós, porque não lhes silenciamos.”
SINTESE- Embora todo o reconhecimento tido pelo Alma Africana, ao longo de sua existência, atualmente não há o apoio ou o reconhecimento merecido do projeto por parte do Governo do Estado e da Secretaria de Estado da Educação. Ao que você atribui tal descaso?
Professor Evanilson- Precisamos, urgentemente (e não é, nem de longe, fácil) combalir a racionalidade ocidental moderna, que chega a estas terras pelas mãos dos portugueses. Não vejo como mudar este estado de coisas, se não erguermos, juntos, um mundo outro, no qual a inclusão, a equidade, a amorosidade e a esperança sejam as atitudes de plantão, diuturnamente.
Governantes e políticos profissionais, com raríssimas exceções, representam essa mesma racionalidade, responsável pelo assassinato de milhões de indígenas, pelo sequestro, escravização, tortura e tentativas de extermínio de milhões de negras e negros (ontem e hoje).
A questão se move pelo racismo estrutural, ele se faz presente nas relações, nas ações, projetos e programa governamentais, nos currículos das escolas, em toda estratégia de planejamento que define as políticas públicas. Isso explica muita coisa, inclusive o olhar para o Projeto Alma Africana.
SINTESE- Deixe uma mensagem aos que participaram, aos que fazem parte hoje do Alma Africana, aos gestores públicos sobre a importância, o significado e a representatividade do projeto Alma Africana.
Professor Evanilson- Gilmara de Souza Neto, Adalcy Costa dos Santos, Sheila Rodrigues dos Santos Vega, Mariza Santos Cajé, Elisangela de Andrade Santos, Talita dos Santos e eu (Evanilson Tavares de França) somos, hoje, as pessoas responsáveis pela coordenação do “Projeto Alma Africana: reconhecendo as diferenças, esperançando a equidade”.
Além destas pessoas, contamos um grupo lindo de estudantes. São centenas de meninas e meninos que se envolvem, em graus distintos, com momentos estruturantes do Alma Africana. Contamos também com uma rede de apoio e solidariedade inconceituável, dada a sua significância profunda. Além disso, não temos a menor dúvida que a Ancestralidade nos apoia incondicionalmente. Dito isso, a minha mensagem primeira é, para estas/es malungas/os, “Muitíssimo obrigado!”. Obrigado pelos compartilhamentos, pelas apostas conjuntas, pela busca de um currículo outro, de uma escola outra, de um mundo outro.
Por fim, preciso dizer que Freire continua atual, necessário e urgente: sem a conscientização do oprimido, continuaremos objetificando (no sentido de transformar em objetos) seres humanos reais.












