Economista afirma que um processo de desenvolvimento sustentável não pode esquecer questões sociais e defende pedágios para circulação em mares e oceanos

Para garantir o futuro do planeta é preciso construir uma democracia econômica que rompa com o modelo econômico em vigor e que coloque em prática um novo modelo de desenvolvimento com fortes vínculos entre trabalho decente, proteção social e ambiental.
Este foi o conteúdo das palestras feitas no seminário “Sustentabilidade e Trabalho Decente em Tempos de Crise”, promovido pela CUT na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, na manhã desta terça-feira, 19. O seminário foi coordenado pela Secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Júlia Nogueira.
Para os palestrantes – Ignacy Sachs, socioeconomista, Artur Henrique, presidente da CUT, e Rafael Freire, da Confederação Sindical das Américas (CSA) -, é preciso construir um novo modelo de desenvolvimento sustentável, cujos pilares sejam a distribuição da riqueza, a erradicação da miséria, a promoção do trabalho decente, a proteção social e ambiental.
E a crise econômica mundial não é um entrave a construção do novo modelo. Muito pelo contrário. Segundo Sachs, a crise é uma oportunidade de mudança do mundo. “Viva a mais essa crise”, disse ele. “Se estamos em crise, há alguma coisa a ser mudada, poderia ser mudada sem ela, mas ela nos ajuda a colocar uma agenda alternativa”, apontou.
Com o seminário e todas as plenárias que vêm realizando na Tenda Florestan Fernandes, montada no Aterro do Flamengo, onde funciona a Cúpula dos Povos, a CUT está fazendo exatamente isso. Está aproveitando o momento para propor mudanças, projetos alternativos ao que está em vigor e que já deu provas de falência, como demonstram as crises que vêm afetando os trabalhadores especialmente na Europa.
Sachs parabenizou a CUT e a CSA pelo esforço para discutir o novo modelo de desenvolvimento sustentável, com justiça social e ambiental. Segundo ele, “é importante que a RIO+20 dê um passo para a frente nessa agenda alternativa”.
De passagem pela Tenda da CUT, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência da República, se impressionou com a quantidade de trabalhadores brasileiros e estrangeiros que estavam no espaço ouvindo as palestras e participando do debate – mais de 200 pessoas estavam presentes no momento – e parou para dar os parabéns também.
O ministro disse que, independentemente do resultado oficial da Rio+20, “a iniciativa da CUT já é um sinal de sucesso da Conferência”. Gilberto se referia ao espaço para debates da CUT, a única central brasileira que montou um espaço para discussão sobre a situação atual dos trabalhadores e dos recursos naturais do mundo. Neste espaço, que está sendo utilizado por sindicatos e centrais sindicais do mundo todo, os trabalhadores e sindicalistas estão debatendo propostas alternativas ao modelo tradicional de desenvolvimento, que privilegia a economia.
Desenvolvimento social e ambiental com participação popular
Rafael Freire, das CSA, ressaltou a importância dos trabalhadores disputarem uma nova ordem econômica mundial. Segundo ele, é preciso discutir a situação atual, como sair dela, como devemos construir um novo modelo de desenvolvimento sustentável.
Para o dirigente, o desenvolvimento econômico nos diferentes países do continente tem três requesitos básicos, que São: a distribuição da riqueza, a criação de empregos formais e a proteção social – seguridade e aumento de renda. “Já vimos nosso continente crescer, registrar alto índices, e ao mesmo tempo, gerar pobreza. Assistimos isso no Brasil, durante a ditadura militar”.
O modelo de desenvolvimento sustentável que estamos discutindo é absolutamente diferente daquele que conhecemos e do qual muitos trabalhadores estão sendo vítimas em todo o mundo, disse o presidente da CUT, Artur Henrique.
“Não queremos só crescer e consumir. É lógico que nós temos direitos ao crescimento, temos direito de consumir, mas o conceito de desenvolvimento econômico que defendemos é absolutamente diferente de crescimento econômico. Desenvolvimento sustentável é pensar os pilares que Rafael descreveu nas suas quatro dimensões: ambiental, social e econômico e político – este último foi acrescentado pelo movimento sindical internacional por conta do debate da democracia da participação”, explicou o dirigente.
Neste sentido, é preciso crescer, mas também cobrar mais impostos dos mais ricos, instituir um imposto sobre transações financeiras para bancar as políticas públicas e sociais necessárias para melhorar a qualidade de vida da população em todo o planeta.
Segundo Artur, é preciso cobrar uma quantidade de impostos suficiente para que sejam implementadas políticas de saúde, habitação, segurança, previdência e assistência social pública. “Estamos falando de um amplo sistema de proteção social e precisamos garantir recursos para esse piso. Temos de ter um sistema tributário justo, onde quem ganha menos paga menos e quem ganha mais paga mais. Não podemos ter um sistema como o brasileiro, onde não é cobrado imposto de renda sobre patrimônio, mas sobre o consumo”, argumentou o dirigente CUTista.
Ignacy Sachs disse que se sentia remoçado ao ouvir esse debate, o mesmo, disse ele, que tivemos há 20 anos na Eco-92. Ao contrário do que muitos dizem, no entanto, Sachs afirma que não ficamos parados no tempo até a Rio+20. “Embora as coisas estejam longe do que gostaríamos, não estamos parados, a crise é uma oportunidade de mudança do mundo. E é importante que a RIO+20 dê um passo para a frente nessa agenda alternativa que está sendo discutida por vocês”.
Falando sobre a força e ineficiência dos mercados, responsáveis pelas crises financeiras mundiais, Sachs disse: “os mercados têm a vista curta e a pele grossa”. Segundo ele, os mercados não sabem pensar estratégias de longo prazo e não se preocupam muito com as consequências sociais do que fazem. “Isso é uma forma gentil de falar sobre o papel dos mercados”, ironizou o economista, para, em seguida, explicar: Não dá para dizer que estamos outra vez no buraco e precisamos dar uma força para o mercado. É preciso pensar em mudanças. Sair da mão invisível do mercado que dá todas as coordenadas sobre a questão econômica mundial e colocar as decisões em mãos visíveis.
Pilares do desenvolvimento
A CUT e a CSA estão lutando para construir na Cúpula dos Povos um documento que contenha os quatro eixos que os sindicalistas consideram fundamentais para o desenvolvimento sustentável. São eles, as dimensões ecológica, social, econômica e política.

“Para nós, se esses quatro eixos não estiverem articulados, o modelo de desenvolvimento sustentável que nós estamos lutando para construir será um modelo com problemas e mais, um modelo que não dá as respostas necessárias aos desafios colocados no momento”.
Sobre a inclusão da dimensão política, o dirigente explicou que é fundamental a participação das pessoas na tomada de decisões, na gestão dos bens ambientais, através de estruturas do governo. “Nossa democracia é limitada, o poder econômico manda. O desejo coletivo não prevalece. Muitas políticas que nós defendemos, que a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula defenderam, pararam no Congresso Nacional”, argumentou.
Artur acrescentou que, a proposta do movimento sindical de um novo modelo passa por debater o papel do estado como indutor do desenvolvimento e como orientador de um planejamento de curto médio e longo prazo que coloque metas de desenvolvimento sustentável com participação e controle social. “O papel do estado coloca contradições para nós, que é dizer não as privatizações, a mercantilização dos recursos naturais, pela retomada do controle do estado sobre as empresas que foram privatizadas”.
Segundo o presidente da CUT, para existir desenvolvimento sustentável é absolutamente fundamental ter trabalho decente, o que não significa apenas não ter trabalho escravo, argumentou. “Como tenho dito, trabalho decente não é só a luta contra o trabalho escravo e contra o trabalho infantil. Essa é uma luta prioritária que vamos continuar fazendo sempre”.
A luta do trabalho decente é mais ampla, disse Artur, é a luta pela igualdade entre homens e mulheres; brancos e negros; é a luta contra os acidentes de trabalho que a cada dia vem mutilando ou matando milhares de trabalhadores ao redor do mundo, é a luta contra as doenças do trabalho por conta dessa correria da produção e da competitividade, é o debate da qualidade de vida e não do trabalho do jeito que hoje está pensando no modelo de desenvolvimento. Trabalho decente é liberdade de organização sindical, da forma como os trabalhadores têm de decidir, sem interferência do estado, com liberdade para organizar suas entidades e com direito garantido de negociação coletiva para bancários metalúrgicos e também agricultores – eles também negociam e negociam política pública”.
Já Sachs, apontou cinco pilares, que ele chama de mãos invisíveis, para a efetivação do desenvolvimento sustentável: controle social, planejamento, segurança alimentar e energética e cooperação internacional. Ele também defendeu a criação de impostos para garantir a implementação de políticas públicas e reduzir a poluição do ar e dos mares.
Conheça os cinco pilares da mão invisível, segundo Sachs:
1) Um contrato social explícito, que deve ser ampliado e conter um capítulo ambiental – “não podemos deixar de tratar explicitamente a dimensão ambiental porque, ao destruir a natureza, geramos custos sociais enormes. A nossa obrigação é não só melhorar a condição de vida da nossa geração, mas também, deixar para as gerações futuras uma nave espacial terra com as mesmas condições de vida que conhecemos”.
2) Planejamento. Sachs explicou que temos de reaprender a fazer isso. Segundo ele, o paradoxo é que quase todo mundo planejou na época do ábaco e, agora, não consegue planejar na época do computador. O problema, segundo ele, é a organização política. “Tivemos muitas experiências. A maioria autoritária. Precisamos de um planejamento democrático. Ou seja, precisamos reconstruir o planejamento democrático de longo prazo, baseado num diálogo, em um estado desenvolvimentista com a sociedade civil organizada, os trabalhadores. Um diálogo político aberto, constante, quadripartite – estado, empresários, sociedade civil e trabalhadores”, disse Sachs.
3) Segurança alimentar – neste caso, explicou o economista, temos três itens na pauta: avanço técnico, ponto de vista social, levar ao seu termo as reformas agrárias porque a produção alimentar vai, certamente, ficar a cargo de pequenos agricultores que precisam de acesso a terra, conhecimento e assistência técnica. “Acredito que estamos longe de termos construído uma política de apoio a pequena agricultura familiar em sua enorme diversidade”, salientou ele.
4) Segurança energética – quanto mais a gente produzir menos esforço manual deveremos fazer, disse Sachs, que falou sobre os problemas que temos de enfrentar em relação a qual energia queremos. “O futuro não está nas energias fósseis, embora as reservas de carvão sejam muito importante”. Sobre a energia nuclear, o economista lembrou os problemas que ocorreram no ano passado no Japão, disse que é uma energia que precisa de uma política extremamente cuidadosa, mas que ele não acredita que devamos apostar numa saída energética baseada na nuclear. “Precisamos acompanhar este tema porque tampouco se trata de eliminar essa possibilidade mas é um tema complicado”.

Para Sachs é preciso refletir sobre as nossas prioridades energéticas no momento. “Primeiro tem de pensar na sobriedade. Estamos gastando mal. Precisamos usar menos, economizar, racionalizar o uso da energia. Esse é o primeiro objetivo. Segundo, temos que abrir o leque das energias renováveis. Fizemos algum progresso no que diz repeito ao álcool, ou seja, energia de biomassa. Estamos engatinhando com a energia dos mares e assim por diante. Aí temos um tema gigantesco para mobilizar pesquisadores, para ir buscando novas soluções cada vez mais eficientes para o uso das energias renováveis”.
5) Cooperação internacional – segundo ele, não deve-se usar o pretexto da necessidade de caminhar rumo a uma economia verde. “Como conciliar o verde com o vermelho”, ou seja, “o progresso social com estratégias de desenvolvimento sustentável que não destrói a nave espacial terra”, apontou Sachs.
“O que está em discussão é o tripé: desenvolvimento aliado ao objetivo social, sem se omitir com relação a questão ambiental. É preciso tomar cuidado para não transformar o processo de crescimento econômico num processo de destruição de recursos, apropriação destrutiva de recursos”.
O terceiro pé do tripé é a viabilidade econômica do desenvolvimento que tenha objetivos sociais, prudência ambiental.
A cooperação internacional é fundamental. Não podemos continuar o processo de crescimento abrindo cada vez mais as diferenças já abissais entre aqueles que estão em cima e os que estão embaixo da pirâmide social. A cooperação deve ser fortemente voltada a ajudar os países a ir reduzindo essas diferentes entre e dentro dos países, disse o socioecomonista.
Sachs defende criação de ITF, pedágio sobre o ar e os mares e imposto sobre emissão de carbono
Sachs defendeu a criação de um grande fundo de desenvolvimento socialmente e ambientalmente sustentável, que poderia cobrar dos países o compromisso já assumido, mas nunca cumprido de destinar 1% do PIB para o desenvolvimento sustentável.
Além da taxa sobre transações financeiras, defendida pelo movimento sindical e social de vários países, Sachs defendeu a criação de uma taxa sobre emissões de carbono para que o mundo consiga reduzir as emissões que provocam o efeito estufa e porque, ao criar essa taxa pode-se financiar projetos de desenvolvimento includente e sustentável.
E economista sugeriu também uma espécie de pedágio sobre o ar e os oceanos, que, disse ele, constituem um patrimônio da sociedade, portanto, quem utilizar deve pagar. Cada avião que passar pelos ares, cada navio que atravessar os oceanos, teriam de pagar.
“Se fizermos isso chegaremos a 2% do PIB mundial, uma soma bastante importante o que nos dá uma ferramenta extraordinária para ir mudando o mundo”.
Mas não basta ter dinheiro, senão vai ser mal gasto, portanto, a segunda parte da cooperação internacional deve se centrar na criação de uma rede de cooperação científica e técnica, reorganizada em sua base geográfica, disse Sachs, que completou “acho que podemos usar um conceito de bioma. Cada um tem recursos naturais diferentes e portanto é normal que ajudemos os países que compartilham os mesmo biomas a trabalhar no sentido de uma melhor utilização de sua base de recursos naturais”.
Sachs encerrou sua fala dizendo que “temos uma enorme tarefa a frente e o importante é que não percamos a oportunidade da Rio+20. O importante é que possamos sair com um roteiro, por exemplo, marcar uma data em que os países coloquem na mesa seus planos de desenvolvimento baseados num conjunto de conceitos comuns, depois, reorientar a ONU para que tenha esse fundo de desenvolvi e rede de cooperação. E fase seguinte é cuidar dos planos nacionais, eliminar as arestas e promover a sinegia”.