CINFORM: Como a Fábrica do Teatro do Oprimido de Sergipe recebeu este acontecimento?
Aldo: Recebemos com certa orfandade por sermos filhos recém-nascidos do Centro de Teatro do Oprimido e de Boal. A maioria aqui não teve oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Mas para nós Boal vive! Nas milhares de páginas escritas, nos vídeos a que ainda assistimos emocionados, na metodologia dos jogos, exercícios e técnicas. Na solidariedade e na ética presentes nos olhos e nos corações dos que multiplicam o Teatro do Oprimido em Sergipe e no mundo inteiro.
CINFORM: O que muda com a morte dele?
Aldo: Não sei… Mas sinto que quando morre um guerreiro da paz, seu campo se maximiza. Tivemos oportunidade de dar uma oficina de Teatro do Oprimido, horas depois da sua morte, para quarenta professores da rede pública. Os coordenadores do projeto perguntaram um dia antes se não queríamos cancelar por causa do feriadão (certamente ninguém viria num sábado chuvoso de feriado). Não cancelamos. A oficina lotou e nem nós sabíamos ainda da passagem do nosso mestre. Foi um dia lindo de muita paixão em cena, de muito desenvolvimento naquele grupo dos lutadores das salas de aula da nossa educação sucateada. Ao saber da morte à noite, sentíamo-nos orgulhosos. Estávamos naquela manhã como lagartos do sertão, em campo de batalha, corpos em contato com o solo quente rachado das opressões e olhar nas estrelas, com o coração sentindo silenciosamente a passagem do nosso mestre. O teatro é celebração por excelência.
CINFORM: Há o risco de haver uma desmobilização?
Aldo: Enquanto a maior parte dos artistas aprova projetos em editais culturais para circular e montar espetáculos dos seus grupos. O Centro de Teatro do Oprimido aprovou projetos não para popularizar arte pronta, mas para popularizar os meios de produção artísticos. Temos o mesmo princípio de autonomia que se pode encontrar na Pedagogia Libertadora de Freire, na Teologia da Libertação ou no Sistema Único de Saúde. O CTO nos ensinou a fazer e a multiplicar, temos autonomia. Tenho certeza que cada um se sente mais forte e mais orgulhoso ainda de ser seguidor de um homem de teatro, que foi indicado ao Nobel da Paz em 2008 e, há cerca de um mês, foi condecorado como Embaixador Mundial do Teatro pela UNICEF. A rede de Teatro do Oprimido deve ficar ainda mais forte em todo o mundo.
CINFORM: Vocês estavam na expectativa de que ele ganhasse o prêmio Nobel da Paz, ainda existe essa possibilidade?
Aldo: Já consideramos a indicação um enorme prêmio. O Nobel da Paz premia pessoas ou grupos que fizeram enormes esforços humanitários pelo avanço dos direitos humanos, da democracia, da solidariedade. Foram premiados ninguém menos que Nelson Mandela, os Médicos Sem Fronteira, Al Gore, a indígena maia Rigoberta Menchú. Autoridades da paz mundial. Imagine um dramaturgo brasileiro ser indicado a um prêmio desse nível… Não sei se ainda existe a possibilidade de ainda ganhar, mas Boal falava que gostava muito de ganhar prêmios ainda em vida e ganhou muitos.
CINFORM: Quantas pessoas no mundo praticam o Teatro do Oprimido? E no Brasil? E em Sergipe?
Aldo: Impossível contabilizar esses dados. Temos o Teatro do Oprimido em mais de setenta países do mundo. Só na Índia são milhares de praticantes, fora Oriente Médio, África, Brasil, América do Norte. Os praticantes crescem em progressão geométrica graças à metodologia da multiplicação. Contudo, há esforços do CTO em levantar esses dados através de um cadastramento em uma rede de praticantes de TO que se comunicam, fazem intercâmbios e constroem políticas de intervenção continuada na sociedade. Em Sergipe temos cerca de vinte praticantes já formados pelo CTO e mais uns trinta em fase de formação através do projeto “Teatro do Oprimido na Saúde Mental”, parceria do CTO com o Ministério da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju.
CINFORM: De que maneira o Teatro do Oprimido mudou o mundo?
Aldo: O Leonardo Boff, homem de grande espiritualidade, quando esteve em Aracaju, disse que o mundo não mudaria através dos parlamentos, disse ele: “A paz nascerá não dos acordos diplomáticos internacionais, mas dos infernos da Terra”. Boal costumava dizer que o ser torna-se humano quando descobre o teatro. Nós não vamos sair da miséria existencial, integral, através de assistencialismo, mas através do protagonismo. Precisamos passar de consumidores da indústria cultural a produtores autônomos (“produtores independentes” não me soa bem). A mudança na anatomia social é moral e a moral só se transforma pela ética, que é o ato de re-pensarmos e transformarmos as nossas atitudes. A moralidade é plástica e o TO a expõe no palco para podermos remodelá-la: Ato ético por excelência. Estivemos com Boal num laboratório teatral onde se defendeu a meta do TO: as “Ações Sociais Concretas e Continuadas”, da transformação do teatro para a transformação da sociedade. Ele, no fim da sua vida, preocupava-se muito em como nossas ações estavam concreta e continuadamente, produzindo um mundo de justiça social.
“Respeito muito aqueles artistas que dedicam suas vidas à arte (…), mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida!”
(Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, indicado ao Nobel da Paz de 2008, Embaixador Mundial do Teatro, UNICEF, Paris, 2009).
CINFORM: Como ele ainda pode mudar o Estado de Sergipe?
Aldo: Uma das formas de se operacionalizar as “Ações Sociais Concretas e Continuadas” é fazendo parcerias com grupos que já existem. Por exemplo, se temos uma peça discutindo a violência contra a mulher, podemos nos integrar no Movimento de Mulheres. Podemos utilizar o Teatro Legislativo para a elaboração ou difusão de leis. O Teatro do Oprimido utiliza várias linguagens artísticas (sonora, poética, visual), sendo muito eficiente como instrumento de informação, comunicação e, sua especialidade, diálogo. Discutimos problemas sociais teatralmente e agora queremos avançar com parcerias solidárias, com projetos de transformação e sustentabilidade social. Não levamos mensagens prontas, catequéticas ou caquéticas, construímos e reconstruímos a história junto com o público. Boal disse que ser cidadão não é viver em sociedade, mas transformá-la. Então, mesmo não tendo vindo pessoalmente a Sergipe, por tê-lo transformado, Boal é um cidadão sergipano!