A Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação) define como um “desastre” a autorização do uso de recursos da contribuição do salário-educação na complementação da União para a reformulação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), como criado pelo substitutivo à PEC 15/2015 (PEC do Fundeb), de relatoria da deputada Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO).

Em nota técnica, a Fineduca produziu cálculos mostrando que a aventada nova complementação da União de 20% ao fundo (que consta no relatório lido na Comissão Especial do Fundeb no dia 18 de fevereiro de 2020) é artificial pelo uso de recursos do salário-educação. Em dois cenários, segundo a Fineduca, a real complementação seria de 11,6% ou 15,8% – e não de 20%.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação endossa a nota técnica e reforça – a exemplo de seu posicionamento público publicado na semana passada – que o uso do salário-educação no Fundeb, além de insuficiente, serve para maquiar os supostos 20% de complementação da União ao fundo.

“60% dos recursos [do salário-educação], mesmo que arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, são de transferência constitucional obrigatória para os demais entes federados. Não é possível determinar que a União utilize a totalidade dos recursos sem que seja revogado o parágrafo 6º do artigo 212. Como os programas federais já consomem 40% dos recursos totais do salário-educação, a única forma do governo federal ampliar sua complementação ao Fundeb com recursos desta fonte seria avançando nas cotas estaduais e municipais, ou seja, confiscando recursos essenciais e já utilizados por estados e municípios”, afirma nota técnica da Fineduca.

Na nota técnica, há explicação dos cálculos de cada cenário. “No cenário B [de 15,8%], a complementação de R$ 30,6 bilhões seria financiada por R$ R$ 6,4 bilhões da cota federal do salário-educação e R$ 24,2 bilhões com recursos do Tesouro Nacional. Nesse cenário, a complementação da União equivale a apenas 15,8% dos recursos aportados por estados e municípios ao fundo. Além disso, considerando o montante investido nos programas suplementares mostrados no Painel 1 (R$ 8,5 bilhões), só restariam R$ 2,1 bilhões (redução de 75%). O cenário C [de 11,6%] é ainda pior para o financiamento da educação pois, se preservados os 40% dos recursos do salário educação direcionados aos programas e utilizados os 60% relativos às cotas estaduais e municipais (R$ 12,8 bilhões), a contribuição efetiva da União seria de apenas 11,6% em relação ao total dos recursos da contribuição dos estados e municípios ao Fundeb”, diz a nota.

A Campanha reafirma que, caso seja aprovado o substitutivo com o uso de recursos do salário-educação, o que irá ocorrer é uma desresponsabilização ainda maior do Governo Federal com o financiamento adequado da educação básica, pois haverá complementação da União sem recursos novos, colocando em risco orçamentário programas essenciais, como o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) – 100% financiado com o salário-educação – e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – 85% financiado com o salário educação.


Distribuição de recursos por critérios de desempenho
A exemplo do posicionamento público da Campanha, a nota técnica da Fineduca critica a distribuição de recursos a partir de critérios de desempenho, apontando que as consequências da implementação desses critérios são “inaceitavelmente incertas e carentes de suficiente fundamentação”.

“A destinação de uma fração da complementação da União condicionada à melhoria de gestão; de evolução significativa dos indicadores de atendimento; e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades é dispositivo de alcance duvidoso, pois, além de carecer de fontes de dados anuais para mensuração dos desempenhos no nível dos municípios, pode prejudicar as redes de ensino das localidades cujos estudantes têm situação socioeconômica mais desfavorável, o que vai na contramão da promoção da equidade”, afirma a nota técnica.

Essa crítica foi reiterada no posicionamento público da Campanha, em que registra-se que “o relatório cede à pressão de parlamentares comprometidos com a reforma empresarial da educação e decide transferir recursos para redes públicas por meio da aferição de desempenho dos estudantes.” O texto de substitutivo lança mão do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) – instituído no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) por proposição da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes) – para amenizar o agravamento da desigualdade entre redes e escolas públicas que a política de transferência de recursos por desempenho conhecidamente gera. No entanto, é preciso aprimorar a redação do texto para neutralizar esse mecanismo antipedagógico, “vedando que redes públicas com maior arrecadação e, portanto, com maior capacidade de avançar nas avaliações de larga escala, não sejam ainda mais privilegiadas”, diz o posicionamento público da Campanha.

A nota técnica da Fineduca e a Campanha ratificam que o caráter da exclusividade de aplicação de recursos públicos em escolas públicas deve ser respeitado no funcionamento do novo Fundeb.

Acesse a nota técnica da Fineduca aqui.


Apoiam o manifesto as seguintes entidades: 

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) 
Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) 
Campanha Nacional pelo Direito à Educação 
Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)