Dois dedos de prosa com Alipio Freire

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Em entrevista concedida durante o primeiro dia do XIII Congresso Estadual dos Trabalhadores em Educação do Sintese, Alipio Freire, jornalista do Brasil de Fato, fala sobre a atual conjuntura política, o papel da mídia e defende a criação dos conselhos de comunicação social.

Sintese: Na sua fala o senhor fez uma análise do último processo eleitoral e deixou bem claro o que representou a candidatura de José Serra (PSDB) e como sua vitória seria perigosa para o Brasil. Mas fica a pergunta: as alianças do PT, tomando como exemplo o Michel Temer (PMDB) vice de Dilma Rousseff, candidata eleita, não colocam em dúvida os possíveis avanços esperados pela classe trabalhadora?

Alipio Freire: Olha, no meu ponto de vista a aliança feita pelo Partido dos Trabalhadores é extremamente ampla, digamos assim. Agora o grande problema com as alternativas que se colocaram é que com uma você tem algumas possibilidades e com a outra não se tem nenhuma possibilidade. Alianças com figuras como o Sarney não são desejáveis pro PT, não só o Sarney, ele é o emblemático. O problema é que o José Serra fez aliança com o DEM, que é o antigo PFL, o antigo Arena e que, um dos seus próximos declarou publicamente: “estamos no Brasil e no poder desde que as caravelas chegaram” e construíram o país com essa desigualdade, corrupção e tudo isso que estamos herdando ainda. Segundo, é público, não estou inventando nada, nem falando nada de partido nenhum: o candidato José Serra se reuniu em São Paulo com o Comando de Caça aos Comunistas, o famigerado CCC que foi um dos organismos paralelos de repressão – organizando campanas, efetuando seqüestros, não eram prisões porque não tinham mandado judicial, cárceres clandestinos de tortura – e com a organização Tradição Família e Propriedade (TFP). Junto com isso ainda trouxe os integralistas e os monarquistas. Então veja, se do outro lado nós podemos ter algumas dúvidas, do José Serra já temos certeza. A Dilma pode ter e efetivamente tem limites, o programa do Partido dos Trabalhadores também, tudo bem. O problema é que o José Serra não tem limites, nem políticos, nem éticos, nem morais. Então, eu acho que a melhor coisa que nós fizemos foi eleger a Dilma nesse momento, as outras discussões nós pautaremos daqui pra frente.

S: E sobre as alianças da direita encabeçada pelos Tucanos?

AF: Quando eu falo de José Serra e dos aliados deles eu estou pensando que na Suécia a ultra-direita elegeu representantes ao parlamento – isso provocou manifestações em massa e nada foi divulgado -, na Holanda não só elegeu como há possibilidade até de formar maioria no parlamento holandês, na verdade são grupos paramilitares! Na França, todo esse ódio aos ciganos, em toda a Europa e nos Estados Unidos a questão do trabalhador estrangeiro, que é a mesma que se criou com os nordestinos. Esse filme eu já vi, é o filme do fascismo, não é outro e esse eu não quero ver de jeito nenhum. Prefiro trabalhar com os limites de cá, discutir e ver a cada momento por onde avançar. O problema chave é você governar e travar suas batalhas simplesmente nas instâncias institucionais. Outro ponto é que é preciso organização dos trabalhadores nos seus locais de trabalhos, de moradia.

S: O senhor caracteriza o governo Lula como democrático e popular?

AF: Eu não sei qual é o conceito que orientou o nome de governo democrático popular; um governo democrático popular tem em seu fundamento central a questão da igualdade e essa igualdade da maioria, porque para a elite brasileira e norte-americana os anos de ditadura no Brasil foram democracia, tenho absoluta certeza. A democracia sempre é pra uma classe em detrimento da outra. Ora, eu só posso falar em democracia e liberdade se eu qualificar muito bem que elas se fundamentam na igualdade entre os homens, aí eu posso falar de uma democracia popular. Eu acho que o governo Lula avançou em algumas coisas, entendeu? Há uma coisa que as pessoas hoje gostam de debater demais e dizem que o nordeste votou com o estômago, o que não seria nenhuma vergonha, mas quando você cria condições pra alguns milhões de pessoas que não tinham nada, que não comiam se alimentarem pelo menos duas, três vezes por dia, eu acho isso uma medida fantástica e que faz parte da construção da democracia popular. Ficou a dever em outras coisas, na política econômica mais geral, mas no quadro internacional que está posto, com a hegemonia absoluta dos Estados Unidos não daria pra fazer muito mais do que se faz. São os limites da política feita somente através das instituições do Estado, é escolher o campo onde o inimigo é mais forte.

S: Em um recente artigo intitulado “Anauê, José Serra!”, publicado no site do Jornal Brasil de Fato, o senhor menciona que o candidato derrotado poderia estar preparando um terceiro turno. O que seria esse terceiro turno?

AF: Olha, quando eu digo que eles podem estar preparando um terceiro turno eu quero dizer que a ira deles é tão grande que eles são capazes de querer interromper um processo democrático. Eu estou falando de golpe, mas não necessariamente de um golpe como o de 64 ou os golpes do cone sul nos anos 60 e 70. Hoje em dia parece que as forças mais reacionárias do mundo já têm um tipo de golpe aparentemente civilizado, com o de Honduras que foi desencadeado pelo poder judiciário, e nós conhecemos bem o nosso poder judiciário, ou seja, foi um golpe legal. Quando aquele jornal Folha de São Paulo insiste em querer o dossiê da presidenta eleita Dilma, não se sabe o que se pretende com isso. Criar um impacto nacional em cima de depoimentos que a Dilma deu sob tortura? Isso pra quê? Para impedir a candidatura dela? Para impedir a posse por vias legais? Claro que se houvesse um levante popular para assegurar a posse, as forças armadas no seu papel de garantir a legalidade iriam às ruas. O ódio destilado é grande demais, as forças que se aliaram em torno da candidatura de José Serra são as mesmas da ditadura militar. Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, a grande mídia comercial. Quando eles mentem pra todo mundo e formam uma ficha falsa da Dilma, divulgam e sofrem processo é censura. Na internet a força dos blogueiros faz com que eles defendam outra postura: “não, isso tem que ser disciplinado” e não é censura. Então, é sempre essa conversa. As palavras são manipuladas para a população de uma maneira indecente. Pegue qualquer desses jornalões – Folha, Jornal Nacional, Band: “força dos Estados Unidos chegam ao Iraque e entram em Bagdá”, não é assim a manchete? “Sem terra invadem fazendas no Pará!”. Ora, o que os sem terra fazem é absolutamente legal, é pré-ação para que a constituição seja cumprida. As invasões dos Estados Unidos são injustificáveis e destruidoras, com todo o tipo de armamento, mata gente, mas é: “chegam e ocupam”. As forças dos EUA invadiram o Iraque, mas é a coisa mais natural do mundo. É normal deixar que eles invadam, plantem o que quiserem lá e se apropriem das riquezas.

S: O conglomerado midiático apelidado por blogueiros de Partido da Imprensa Golpista (PIG) vêm no ataque à criação dos conselhos de comunicação social nacional e estaduais. Como o senhor avalia a participação da mídia tanto no processo eleitoral quanto na ofensiva contra a iniciativa de organização da sociedade civil?

AF: Pra falar da importância da mídia é só dizer o seguinte: quando os portugueses chegaram a esta terra que então era apenas pindorama, logo criaram cinco monopólios – da terra, da exploração de riquezas, da comercialização das riquezas, das almas que entregaram a Companhia de Jesus e o da comunicação (tudo tinha que ser feito e aprovado em Portugal, não se podia imprimir aqui). O primeiro jornal que surge no Brasil vem dois anos após a independência e surge como um jornal da elite que é o Diário do Comércio de Pernambuco. Antes, tínhamos a Imprensa Régia – a fala do poder – e até hoje toda a nossa imprensa se acha a régia. A importância da comunicação as elites sempre souberam. Eu sou a favor do controle e aí a questão da democracia participativa se coloca porque esses conselhos são o quê? Controle social da comunicação e tem que ter controle social, não é censura, é controle social. Porque os jornais, os jornalões, impunemente fazem o que querem. Em São Paulo há alguns anos foi sugerido que numa escola as crianças eram abusadas sexualmente, eram até levadas para motéis e etc. (Caso Escola Base). A imprensa foi com tudo pra cima e aquilo virou verdade e não era nada disso, depois descobriram. Tudo bem, pagaram uma taxa de 300, 400 mil, mas as pessoas já estavam destruídas.

Imprensa burguesa – um dos braços da ditadura:

AF: Eles acham que isso é normal, comum, como devem acham normal ir de encontro à democracia, a constituição, contra o presidente eleito em 64. Participaram do golpe, rasgaram a constituição e acham normal e ainda que têm direito de fazer isso, a resistência é que é canalha. Se você prestar atenção, a história que se constrói hoje é que a resistência começa na segunda metade de70, quando os liberais resolveram que não queriam mais a ditadura. E aí eles aparecem como os grandes heróis – a Folha que emprestou carro pra transportar cadáveres de companheiros mortos em tortura, emprestou carro para levar companheiros nossos pra serem torturados – e á a paladina da democracia. O Estadão também, a Globo também. Então eu sou um louco, se nenhum deles fez parte do esquema da ditadura. Os altos escalões militares negam participação. É tão ridículo quanto os Orleans e Bragança dizerem: “não sabíamos que tinha senzala e pelourinho. Não, eram os capitães do mato fora do nosso controle que prendiam”. E ainda inventam a palavra porão. Em São Paulo não teve nenhum porão, as pessoas eram torturadas na sala ao lado, no lixeiro em frente, no fim do corredor. Aliás, é muito engraçado esse silêncio em torno o senhor Romeu Tuma, que morreu senador e nasceu delegado, ele era diretor do DOPS quando eu estava lá. Na sala do Fleury, onde eu e meus companheiros fomos muitas vezes, atrás da mesa do Sérgio Fleury estava lá bem grande um cartaz: “Escuderie Le Coc”, que era o nome fantasia do esquadrão da morte. Só o Romeu Tuma nunca viu isso e era diretor de lá. Vai virando uma história da carochinha, mas uma história má. A Dilma, durante a campanha, foi criminalizada porque fez resistência a ditadura e por ter militado numa organização da luta armada, ora, todos estão cansados de saber que contra a tirania é legítimo qualquer tipo de reação. No ordenamento jurídico durante a escravidão tinha um capítulo que dizia o seguinte: “todo o senhor que matar seu escravo em qualquer circunstância o fará em legítima defesa”, um grande militante, um abolicionista nosso, Luis Gama, brilhantemente inverteu isso: “todo o escravo que matar o seu senhor em qualquer circunstância o fará em legítima defesa”, estou com Luis Gama e não abro.