A questão da criança, além do assistencialismo

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Na última segunda-feira, quando os ponteiros do relógio marcaram seis horas e as paredes do edifício ldia anjosPaulo Figueiredo, onde fica a redação da Agência Voz, começaram a exalar o calor acumulado durante o dia, tivemos a satisfação de conversar com a assistente social Lídia Anjos, presidente do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA).  Em nosso convite, a expectativa de que a conversa nos auxiliasse na construção das principais matérias pautadas para a semana, oferecendo numa bandeja a experiência acumulada em muitos anos de dedicação à luta por uma política pública voltada para a criança em Sergipe.  Como o leitor perceberá insistindo na leitura, não havia aposta mais certa.

Carol Westrup – Como a gente pode avaliar a questão da criança e do adolescente em Sergipe? Como a mobilização evoluiu ao longo do tempo?

Lídia Anjos – A questão da infância depende muito da conjuntura. Nós demos um salto muito grande com a Constituição Federal. Havia um movimento nacional que empurrava as entidades para esse formato que a gente tem hoje, e culminou no Estatuto da Criança e Adolescente. Foi a partir dessa conquista que foram criados os Conselhos de Direito, entre outras estruturas que, até então, não existiam. Era tudo muito novo.  No caso de Sergipe, assim como em outros estados, os conselhos uniam representantes do governo e sociedade civil com o objetivo comum de dar operacionalidade ao que estava previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Quando os conselhos foram criados, no entanto, parecia que a luta tinha acabado. Por volta de 1994, ocorreu uma desarticulação do movimento. Nós percebemos que a simples criação do conselho não adiantava pra nada. Havia a necessidade de uma discussão mais qualificada sobre a temática da infância. Foi então que, por volta de 2000, surgiram entidades como o Fórum DCA, a SACI (dedicada a questões étnico-raciais) e o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua. Nós criamos um espaço de articulação política, um espaço de interlocução exclusivo da sociedade civil.

É claro que o movimento é muito maior do que o Fórum. Nós enfrentamos muito revezes, mas em minha leitura, apesar dos desafios, o Fórum tem sido o principal instrumento de discussão de uma política da infância, incidindo diretamente nas questões relacionadas aos direitos humanos de um modo geral.

Hoje, apesar do perfil meramente assistencialista de algumas entidades envolvidas nesse processo, já existe preocupação com o controle e a discussão política. Já existe o entendimento de que a atuação das entidades tem que extrapolar os seus muros.

Rian Santos – Você mencionou as discussões travadas no Fórum. A partir delas, qual o principal impedimento para a criação de uma política da criança e do adolescente? É possível falar em uma política pública para a criança em Sergipe?

Lídia Anjos – Antes de mais nada é preciso discutir o olhar sobre a criança de um modo geral, acolhendo a questão como prioridade absoluta. Hoje, nós temos programas e projetos que funcionam como paliativos. Quando a criança e o adolescente se transformarem em uma prioridade prevista pelo orçamento, poderemos dizer que demos um primeiro passo nessa direção.

É preciso enxergar para além da assistência social. De acordo com um estudo realizado há dois anos, 40% da população sergipana é formada por crianças e adolescentes.  É um número muito grande! Infelizmente, no entanto, o orçamento destinado a essa parcela da população não acompanha a mesma proporção.

O ano passado nós fizemos uma leitura crítica do orçamento do Estado e, infelizmente, por mais que se diga que existem ações voltadas para a infância no âmbito da saúde, por exemplo, no projeto de lei orçamentário para 2009 não existia nenhuma ação direcionada para a criança e o adolescente.

Rian Santos – Me parece que isso revela uma contradição entre discurso e prática. Porque, em tese, qualquer governante carrega uma preocupação muito viva com tudo isso.

Lídia Anjos – Esse é o maior desafio. É preciso reconhecer que nós tivemos avanços, a exemplo da criação dos conselhos tutelares, mas a efetivação de uma política pública para a criança continua sendo um desafio.

Henrique Mainart – Como incidir no orçamento no sentido de possibilitar a criação dessas políticas?

Lídia Anjos – Para o Fórum DCA, um espaço formado exclusivamente por entidades não governamentais, não existe outro papel além do exercício do controle social. Temos que exigir, dar evidência aos nossos apelos, buscar os veículos de comunicação.

Carol Westrup – Pra você, qual o maior problema enfrentado pela criança em nossos dias?

Lídia Anjos – Fazendo o recorte necessário para responder sua pergunta, eu diria que hoje nós temos uma infância que vive o problema da drogadição, sobretudo do crack. A droga envolve o tráfico e o abuso e a exploração sexual. Isso mostra como o Estado se comporta. Como eu não tenho poder para combater o tráfico, eu prendo a criança e o adolescente. É mais fácil trabalhar nessa perspectiva.

Carol Westrup – O que o Estado mostra pra gente quando coloca a Fundação Renascer como um órgão sócio educativo?

Lídia Anjos – A estrutura física da Fundação Renascer fala por si. Nós temos uma estrutura de prisão. É a concepção do muro que prende e isola. Do muro que esconde algo da sociedade.

Rian Santos – Nós falamos o tempo inteiro em concepção. O que é preciso para mudar a concepção do Estado que expurga a criança ao invés de investir na educação do menor?

Lídia Anjos – Passa tudo pela concepção. A maneira como você se referiu à criança, por exemplo, carrega a história do delinqüente, do menor abandonado, do menor que não pensa, do menor que não sente, do menor que não precisa dizer por que existe um adulto dizendo por ele.

Eu resisto muito a esse termo, por que ele traduz muita coisa. Se eu trabalho com um menor, eu trabalho com um indivíduo incapaz. Mas ele é o único que possui as respostas que nós buscamos. Ele é o único que pode responder por que roubou ou matou.

Eu posso construir uma unidade belíssima, maravilhosa, mas se a minha concepção for menorista eu não consigo resultados eficazes. O que precisamos, na verdade, é de profissionais que trabalhem para garantir os direitos dessas crianças, mesmo dentro dessa estrutura prisional que existe hoje no país inteiro.

Henrique Mainart – E como o Fórum DCA observa a abordagem dos meios de comunicação a esses problemas?

Lídia Anjos – Ainda há uma lacuna. O avanço que tivemos é que a temática tem sido bem recepcionada pela imprensa, mas os próprios jornalistas ainda não sabem como lidar com isso.

fonte: www.agenciavoz.com.br