“A arquitetura de uma cidade é feita de política”

536

Professor César Henriques Matos discute planejamento urbano de Aracaju. Temática será aprofundada no Seminário ‘O Cenário Atual da Política e dos Planejamentos Urbanos. Em Debate, o Direito à Cidade’, que acontece na noite do dia 29, quarta-feira, na Sociedade Semear.

Com mestrado em Urbanismo na Universität Kassel, Alemanha (1997) e doutorado na UFBA sobre o ‘Espaço público político e urbanidade: o caso do centro da cidade de Aracaju’, o professor César Henriques Matos promete colaborar muito com o debate sobre planejamento urbano que ganha corpo em Aracaju.

Aliado ao rico currículo acadêmico, o professor acumulou importante experiência junto ao Poder Público, tendo prestado consultoria à Prefeitura Municipal de Aracaju no ano de 2002, quando trabalhou na elaboração de projeto urbanístico e arquitetônico em nível preliminar, para conjunto com 700 unidades habitacionais no bairro Santa Maria. E atualmente na academia, Matos coordena e participa de pesquisas voltadas para a realidade ao seu redor, a dinâmica urbana e suas transformações.

Qual era seu intuito ao estudar o Centro de Aracaju?

A transformação e degradação do espaço público é minha principal área de estudo. E Aracaju é uma cidade de porte médio para o Brasil, mas que já apresenta características de metrópole, a exemplo do esvaziamento do sentido político do Centro da cidade – que geralmente é o espaço do encontro, da aglomeração, da troca de ideias, da visibilidade… Esta conotação política das regiões centrais tende a desaparecer.

No geral existe pouca preocupação com o patrimônio histórico e arquitetônico. O novo é sempre valorizado em relação ao antigo. E grupos econômicos produzem estas novas centralidades. Ao mesmo tempo também ocorre um abandono político do Centro, pois em Aracaju não houve interesse político nem preocupação de reverter este fluxo. Já em 1994 a inauguração da ‘Rua 24h’, hoje ‘Rua do Turista’, apresentava-se como uma tentativa de reerguer o Centro, mas por se destacar como uma ação isolada, não gerou um impacto efetivo.

As cidades brasileiras de modo geral têm este percurso. Os valores culturais, econômicos e políticos levam à depreciação da região central. O shopping center segmentou este grupo social, econômico e político. Mas como Aracaju não é uma cidade grande, ela não precisaria apresentar esta estrutura. Por ser uma cidade de porte médio, temos a possibilidade de impedir que ela chegue ao ponto em que Salvador chegou.

Mas o Centro histórico de Salvador não é um ponto turístico movimentado?

Mesmo que na capital baiana exista a exploração do turismo histórico no Centro da cidade, ele ainda está muito aquém do que poderia ser feito em Salvador. No Centro histórico de Salvador há o Bairro do Comércio, uma região muito importante historicamente, mas que possui uma estrutura arquitetônica bastante degradada. Quando falamos em patrimônio histórico estamos nos referindo à cultura de uma cidade. Isso não é trata-la como mera mercadoria para ser explorada através do turismo. O Centro deve ser entendido como espaço de todos, não só do turismo, este precisa ser uma consequência. Antes de tudo e primordialmente, um centro cultural, espaço de cultura, precisa ser importante para o aracajuano.

O senhor quer dizer que a cidade é uma parte importante da identidade do aracajuano?

Sim, Aracaju não é um mero espaço neutro de se viver. A cidade é um lugar de morar e habitar, não um acampamento. É onde vivenciamos e compartilhamos um contexto com pessoas e nos beneficiamos com essa experiência no sentido cultural e social. Mas muitos não aproveitam esta potencialidade que a cidade tem, nem buscam potencializar esta riqueza. Assim a maioria fica restrito ao habitar e trabalhar para sobreviver.

Como o planejamento urbano pode impedir este esvaziamento dos espaços públicos?

Quando ele projeta ações, obras e serviços para atender à cidade inteira e não apenas alguns grupos sociais, pois é a desigualdade social que gera este distanciamento. O movimento de saída dos Centros é como uma fuga de um espaço misturado. Portanto o fortalecimento de espaços públicos é uma importante tarefa para ser realizada, pois é do interesse de todos. Então o Poder público precisa estar atento para a criação de espaços públicos com conforto, segurança e arborização, a existência de muitas árvores numa cidade com um clima como o de Aracaju é algo fundamental. Permitir a mobilidade urbana para todos é uma forma de assegurar a todos os cidadãos o direito à cidade em sua plenitude, e a valorização de espaços públicos que sirvam a todos. Pois muitos ficam excluídos da cidade, a exemplo de quem não tem poder aquisitivo para pagar a passagem de ônibus nem facilidade de se deslocar porque moram em locais muito distantes dos espaços públicos de maior potencial atrativo. São pessoas que não têm acesso ao que a cidade oferece.

O senhor prestou assessoria à Prefeitura de Aracaju para a construção de 700 unidades habitacionais no bairro Santa Maria. Como uma política habitacional pode intervir para garantir a todos os cidadãos o direito à cidade?

Em primeiro lugar a política habitacional não deve pensar somente em distribuir casa para as pessoas, mas também deve inseri-las num centro urbano. Esta política precisa pensar em formas de incluir, do contrário ela vai colaborar com a continuidade de um ciclo de pobreza. Neste sentido também é importante que a política habitacional impeça a especulação imobiliária, esta é uma das ações que contribui para uma cidade mais justa e acessível.