Sub-continente geografricamente a metade do caminho entre a América do Norte e a América do Sul, ao lado do Caribe, a América Central, mais do que nunca, encontra dificuldades para afirmar sua identidade na era da globalização neoliberal. À forte polarização internacional e marginalização das zonas mais frágeis do sistema capitalista, se somaram a recessão prolongada nos EUA e no México, principais sócios econômicos e referências políticas tradicionais.
A rebelião de países da região – governos sandinistas na Nicarágua, movimentos guerrilheiros – não produziram espaços de autonomia, ao contrário, deixaram sequelas ainda mais graves. Na Nicarágua, Daniel Ortega retornou ao governo, com uma orientação bastante mais moderada, na Guatemala as forças guerrilheiras e os movimentos indígenas não conseguiram transferir a força acumulada para forças políticas institucionais. El Salvador foi o país que melhor conseguiu adequar-se ao novo marco internacional – a passagem da bipolaridade à hegemonia imperial norteamericana.
Terminada a guerra fria, os movimentos guerrilheiros centroamericanos buscaram se reciclar para os processos políticos institucionais. Em El Salvador, a Frente Farabundo Marti – que congregava a todos os movimentos da luta armada – se transformou em um partido politico, que rapidamente conseguiu eleger vários prefeitos – inclusive na capital – e uma bancada importante no Congresso. No entanto, só nas eleições de 2009, ao lançar o nome de um jornalista muito conhecido em nível nacional – Mauricio Funes -, sempre opositor nas suas posições como candidato à presidência, conseguiram triunfar.
A situação herdada já era muito grave, antes da crise econômica internacional. Mais de 50% do fluxo comercial do país se dá com os EUA, revelando a enorme dependência do mercado norteamericano. Cerca de 1/3 da população salvadorenha – cerca de 3 milhões de pessoas – vive nos EUA, remetendo parte dos seus ganhos a El Salvador, o que constitui, 18% do PIB, como primeira fonte de ingresso do país.
Os governos neoliberais que dirigiram o país nas duas décadas posteriores ao final da guerra interna promoveram uma concentraram de renda ainda maior da existente antes dos conflitos armados. A balança comercial do país é permanentemente deficitária, El Salvador importa grande parte dos alimentos que consome. Dois de cada dez trabalhadores não tem emprego forma e cobertura social. Quando Funes assumiu, a economia salvadorenha havia sofrido um retrocesso de cerca de 4%. Perderam-se, entre 2008 e 2009, em torno de 40 mil empregos formais, além dos impactos no extenso setor informal da economia.
Imediatamente o governo elevou os recursos para as políticas socais de 24 para 134 milhões de dólares, como expressão da centralidade das políticas sociais que o governo assumiu. Foi criada a Secretaria de Inclusão Social – dirigida pela brasileira Vanda Pignato, que desenvolve um extraordinário trabalho de criatividade na área social, a começar pelas inovadoras Cidades Mulheres -, que desenvolve programas sociais que se constituem em eixos prioritarios do mandato de Funes: Proteção Social Univerisal, Pacotes escolares, Alimentação escolar, Bônus em educação e saúde, Bolsas educativas, Pensão básica universal e Programa de atenção temporária à renda.
Como resultado da aplicação das políticas sociais, nos seus dois primeiros anos o governo de Funes conseguiu resultados muito positivos: extensão da cobertura pré-natal para 98,7% dos casos; controle sobre o crescimento e a nutrição das crianças superior a 90%; taxa de matrícula escolar superior a 98%; numero de partos atendidos aumentou em 13,3%; repetição escolar diminuiu em 8%.
Atacando obstáculos estruturais à democratização de El Salvador, o governo distribuiu, em dois anos, 18 mil títulos de posse de terra, dentre os quais 35,5% foram para mulheres, secularmente excluídas do direito de propriedade. O programa de atendimento aos veteranos de guerra distribuiu bolsas e desenvolve um programa de nutrição e saúde.
Mas mesmo El Salvador, com um governo democrático e popular, sofre as consequências da crise econômica internacional e vive – como toda a região – em uma espécie de limbo: nem são atendidos pelos EUA e pelo México, em crise, nem estão disponíveis para integrar-se a processos sulamericanos, porque assinaram Tratados de Livre Comércio com os EUA. Cabe aos Brasil e aos países que integram os processos de integração regional, desenvolver propostas que atendam as necessidades centrais da área centroamericana, com El Salvador no seu centro.