“Às vezes é tormenta,
Fosse uma navegação.
Pode ser que o barco vire
Também pode ser que não”
Lulu Santos
O CONGRESSO II
Os debates aqui ocorrem nos grupos pré-escolhidos por delegados e observadores, e em seguida, vão para o grande plenário onde são aprovadas resoluções sobre todos os temas. Muito parecido com o que ocorre no congresso da Cnte, obviamente, em ambiente de debate muito menos acalorado que o nosso.
Eu escolhi ficar no grupo que trata de financiamento da educação e o da privatização da educação, e para mim, foi importante constatar que estas duas políticas têm ocorrido com muita força no mundo inteiro. Aqui se condenou a parceria público-privada na educação, inclusive foi citada a rede Wal-Mart, que aí no Brasil é proprietária das redes de supermercados Bompreço e Todo Dia, e esta rede faz doações em forma de caridade para pagar menos impostos. Condenou-se os organismos internacionais que influenciam na educação pública, a exemplo do FMI, inclusive citando, vejam só, o Brasil e a Argentina como exemplos de países que não estão mais submissos ao FMI. Foi aprovado um projeto de resolução contra as políticas neoliberais na educação e os planos de austeridade na Europa, em virtude da crise econômica que afeta fortemente a Grécia, Portugal e Irlanda. Em discurso unânime foi aprovada a necessidade da ampliação do PIB (Produto Interno Brasil) para a maioria dos países do mundo. Aqui também foi aprovada uma resolução contra a exploração do trabalho infantil.
Marcante também foi uma resolução aprovada sobre o respeito à diversidade e contra a discriminação de raça, cor,língua,gênero,orientação sexual e religiosa. A África do Sul foi o segundo país do mundo a aprovar a união homoafetiva, bem antes do Brasil. Surpreendeu-me também a aprovação da adoção de políticas afirmativas que promovam o acesso à educação pública de qualidade por parte dos excluídos e marginalizados da sociedade, muito bom!
O processo eleitoral ocorreu sem surpresas, a Susan Hopgood, da Austrália, foi reeleita presidente da IE, a Juçara Dutra, foi reeleita como Vice- Presidente Mundial para a América Latina, e a maioria dos candidatos que os delegados da CNTE votaram, e que fazem parte de outros continentes, também foram eleitos.
Sinceramente, conhecendo o comportamento de parte das representações sindicais mundiais, cada vez mais recuadas, sendo engolidas pelo neoliberalismo, com um discurso muito próximo dos patrões, foi uma boa surpresa a qualidade política dos documentos, e a necessidade de resistência que a todo momento era ratificada nos documentos. Há esperanças!
SOB O CÉU DA ÁFRICA
CLIMA
Estamos no inverno, e esse período geralmente é muito frio, e chove. Felizmente até o momento não choveu. Durante esse período a temperatura variou de 8 a 19 graus. Quando chegamos a temperatura estava próxima a 19 graus , tempo bom, e podemos perceber isso ao olhar a “Table Mountain”, quando a visão é nítida a temperatura é agradável, quando o nevoeiro cobre o pico da montanha o frio é grande, mas seria menos inquietante e perigoso, se não fosse o forte vento, há momentos que parece um ciclone de tão forte e barulhento, as pessoas correm, e a gente percebe que elas já aprenderam o momento de parar, andar ou correr de acordo com a direção ou força do vento. Quando venta muito forte, o acesso à Table Mountain é proibido, e nos restaurantes não é difícil encontrar lareiras para aquecimento. O mar é lindo, e muita coisa no centro foi construída sobre ele, ele corta o centro da cidade. As águas são frias. Um guia turístico do hotel de nome Gaston – um argentino que já morou no Brasil e vive aqui há vinte anos – disse que no inverno a temperatura das águas fica em 12 graus e no verão 16 graus. No inverno em Cape Town, o dia só fica claro às 8h da manhã e às 18h já é noite. O comércio, exceto o Shopping Center, fecha ás 17h.
LÍNGUA E CULTURA
A língua oficial da África do Sul é o inglês, embora haja alguns dialetos aqui. É comum nos centros comerciais encontrarmos trabalhadores, inclusive ambulantes, que falam outras línguas, o francês,e mais raro espanhol. A Língua tem sido aqui o nosso maior desafio na hora da comunicação, e quando o diálogo está muito difícil, a gente usa a linguagem universal do gesto. Nos restaurantes, é que a coisa aperta, na hora de pedir o menu e escolher a comida. Há um restaurante próximo ao hotel, o Enigma, que faz uma coisa maravilhosa para turistas, lá eles põem as fotos da comida, aí facilita tudo, mas não é regra, descobri aqui que é importante pôr fotos dos pratos. Nos primeiros dias sofremos mais com isso, depois descobrimos que geralmente em cada lugar desses alguém fala francês, e aí me viro por aqui, meu francês em desuso me salvou , e todos já se sentiam mais protegidos. Como a África foi colonizada por diversos povos, e como a distância de um país para outro não é tão grande, até por necessidade comercial, muitos habitantes falam mais de um língua, diferentemente do Brasil que, pela dimensão territorial, e pelo pouco incentivo às escolas públicas na aprendizagem de outra língua, sequer falamos o espanhol, que vem a ser a língua de todos os países vizinhos ao nosso.
Não tivemos oportunidade de ver muitas danças e músicas africanas em apresentação, afora o que foi visto no congresso, ou em casa de show. Cape Town é uma cidade que a vida noturna é pouco movimentada. Salvam-se aqui o “Mama África”, um lindo e movimentado restaurante e casa de show e o Havana Club, com ritmos cubanos. Nos canais de televisão que o hotel disponibiliza, vimos muitos vídeos de cantores africanos de hip-hop, sempre com mulheres seminuas ou em poses sensuais, ou então videos das cantoras americanas Beyoncé ou Mariah Carey . A influência da música americana é avassaladora, provavelmente pela identidade de língua, da luta contra o apartheid, e pelas relações comerciais.
No entanto, as avenidas, praças e o centro comercial trazem toda a temática cultural africana, impressionante como essa cidade é decorada com cores fortes que se revezam, quase um “ ton sur ton”, bege –laranja –vermelho-marron e preto. No mercado popular várias peças de artesãos africanos tomam as praças,pequenos leões e elefantes e girafas de madeira, ficam em evidência em meio a um turbilhão de cores e outras peças. Mas aqui também se vê roupas de última moda, como na maioria dos grandes centros mundiais, sempre abusando das cores que formam um conjunto harmonioso e bonito. As ruas seguem essa mesma cultura. Após a camada de asfalto, em pontos estratégicos, temos uma faixa de pedestre feita com tijolinhos vermelhos, e em algumas avenidas caules de árvores cobertos com tecidos amarelos.
AFRICA PÓS APARTHEID – ESPERANÇAS E TORMENTOS
Restou-me aqui dizer o que vejo, sempre com um olhar apaixonado, mas sem perder o meu sentimento de mundo. A África do Sul, após Mandela, é outra, bem diferente, mas que ainda não resolveu as grandes demandas sociais do seu povo. A África é um continete em que 80% da população vive em condições muito precárias, a morte desassistida ainda é recorrente, e a África do Sul não é muito diferente. Cap Town tem condições mais favoráveis, a renda per capita aqui é maior, o centro da cidade e seus arredores são coisas de primeiro mundo, muito mais avançando em termos de organização, modernidade e limpeza do que vemos no Rio de Janeiro e São Paulo, mas não visitei os bairros, onde residem os trabalhadores, para verificar a real condição de vida deles. Vimos aqui diariamente longas filas de trabalhadores em agências públicas de emprego, e até catadores de lixo. A África é um continente contaminado pelo vírus HIV, é assustador o número de negros contaminados. Inclusive no congresso, há uma campanha forte de solidariedade à professores e alunos com o vírus.
Entretanto é inexorável registrar que Mandela na África do Sul virou um sentimento, é um ícone muito mais venerado que Lula no Brasil. Todo dia 18 de julho, aniversário dele, e tive a oportunidade de acompanhar, ocorre o “The Mandela of Day”, O dia de Mandela, onde cada cidade do Sul da África promove alguma atividade de inclusão social.
O período pós Mandela trouxe uma inclusão dos negros importantíssima, embora não revolucionária. A luta contra o apartheid, e toda luta traz isso, forçou os governantes a promoverem uma real inserção dos negros há funções de estado, que antes eram completamente excluídos. Os negros estão no comando de postos estratégicos na África do Sul.
Há canais de televisão em que todos os apresentadores são negros. No entanto são os brancos que ainda dominam a economia e conseguem manter um padrão de vida muito superior ao da população negra. Verdadeiramente, em países como a África do Sul e nos Estados Unidos, em que a segregação foi escancarada, e a organização e a luta dos negros fizeram sucumbi-la oficialmente, o processo de inclusão foi mais rápido. Diferentemente do Brasil, que a suposta miscigenação escamoteou o problema, e ser negro virou sinônimo de coisa ruim , feia ou suja, e daí o abuso dos eufemismos para caracterizar os negros ( escurinhos, moreninhos, etc..), ou então resumir suas habilidades à força física, ginga,dança ou estereótipos sexuais. Assim, sem identidade, não há luta. É verdade que a maioria do povo brasileiro não nutre um ódio racial, mas o convívio amistoso,por si só, não faz diminuir as diferenças de condições de vida entre a população branca e negra brasileira.
Hoje na África do Sul há um sentimento forte de orgulho negro, e retorno para o Brasil, imposto para não morrer de banzo, pela saudade da minha família, dos meus amigos e companheiros, com uma experiência singular de quem realizou um sonho…. e que quer voltar para cá, com outros que sonhem também… com outras que geram da sua alma e dos seus seios o alimento que nutrem a alma e a vida de quem quer crescer, e dizer sim, a tudo que fizer evoluir a humanidade!
“Luz acesa
Me espera no portão
Pra você ver
Que eu tô voltando pra casa
Me vê!
Que eu tô voltando pra casa
Outra vez…”
Lulu Santos
ATÉ QUINTA
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