Em entrevista ao Observatório da Educação, Mateus Lima, professor de história da rede estadual de São Paulo, tratou da necessidade de se valorizar o tempo de ensino e criticou a condução da política educacional pela gestão atual e anteriores da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Ele diz ainda que os desafios postos perpassam uma questão de fundo, que é a contenção orçamentária.
Observatório da Educação – Quais princípios devem nortear a elaboração do plano de carreira em São Paulo?
Mateus Lima – Em primeiro lugar, o que deve nortear é a própria ideia de existir uma carreira. Da maneira como está, não há carreira. Quem se aposenta, sai recebendo menos, pela composição salarial por gratificações, que não são incorporadas. O tempo de serviço conta pouco para a evolução na carreira. Em decorrência dessas e de outras condições muito ruins, além do salário, hoje há no estado uma evasão de professores, uma perda de capacidade do estado em atrair professores.
Em segundo lugar, é preciso pelo menos voltar a ser como no período anterior ao das reformas do governo Covas. Antes, a carreira era aberta, era possível evoluir em diferentes faixas e níveis, de modo que o professor chegava ao fim da carreira com salário bastante elevado. Hoje, a restrição é muito grande, evolui-se pouco. E no final de carreira o professor tem que trabalhar mais, por ter maiores compromissos orçamentários e necessidade de compor remuneração. Como não se evolui muito ao longo do tempo e o professor deseja uma aposentadoria melhor, precisa dar mais aulas. O tempo de ensino teria que ser bastante valorizado.
OE – O secretário propõe o mérito como princípio norteador. Como avalia isso?
Lima – O mérito se baseia na ideia de avaliação externa como medidor da qualidade educacional, que virou resultado de prova de múltipla escolha, como se isso fosse o revelador da verdade educacional. Não é. Com base nessas notas, as escolas são ranqueadas, e as que atingem metas são premiadas. Isso institui competição para escolas atingirem meta. Os professores sabem que esse sistema não é revelador da qualidade, mas como o salário é achatado, as pessoas acabam por correr atrás disso, porque precisam da melhoria salarial. Há então uma corrida por busca de índices.
Essa prova surgiu com a intenção de acabar com a possibilidade de ajuste para todos. São escolhidos alguns para premiar. A evolução se dá a partir de prova de múltipla escolha: se o professor faz e atinge a nota, se cumpre critérios, o salário é reajustado em 20%, quem não atinge, não tem reajuste. Mas sabe-se que é impossível avaliar qualquer ser humano por um único instrumento, uma única prova avaliativa.
Além disso, não pode ser critério de política salarial, pois cria distorção. E os aposentados seguem proibidos de tentar evoluir. O atual secretário diz ter disposição para o diálogo e fala em mérito. É um ou outro. A democracia é diferente da meritocracia. A escola é lugar de produção de conhecimento coletivo, socialização do saber.
Há também a ideia da punição aos que não se enquadram. Não está totalmente desenvolvido ainda esse elemento, mas é o próximo passo. Já acontece com endurecimento dos critérios do estágio probatório e dos diretores escolherem com quais turmas o professor vai ficar. A direção pode escolher aulas que se ajustam melhor ao professor que se enquadra e a segue. Os que não se enquadram, podem ser punidos, sendo deslocados para horários em que não podem dar aulas.
OE – O que deve ser levado em conta para a elaboração do plano?
Lima – A carreira do docente deve ser atrativa para a pessoa enquanto docente, em que não é preciso sair da sala de aula para evoluir. Que se valorize quem fica na sala de aula.
OE – E como é possível relacionar o plano de carreira com gestão democrática?
Lima – Aquilo que na década de 1980 era carro-chefe da política educacional, do movimento educacional, a idéia de educação democrática no funcionamento da escola, como princípio e objetivo, isso foi se perdendo e na gestão de Rose Neubauer (Governo Covas) e mais recentemente do Paulo Renato (Governo Serra). Foi abandonado pela idéia de educação completamente autoritária, com poderes para direção e supervisão cada vez mais concentrados e professorado transformado em linha de produção, que tem que atingir meta.
Isso não só na relação, mas no tipo de educação promovida, pelo encartilhamento da educação, de norte a sul do estado, desconsiderando a realidade local e qualquer possibilidade de a escola pensar sua realidade e desenvolver plano político pedagógico. O receituário vem pronto para professor e aluno, com premiações para quem se adequa e punições para quem não se enquadra. É o mérito no lugar da democracia. O plano de carreira tem que reverter isso, a ideia de que conselho de escola tem que ter poderes, com menos ingerência do estado nas escolas. Deve ter possibilidade de a comunidade pensar necessidade e demanda. Nada disso existe mais, há um receituário que vem de cima para baixo.
OE – E a avaliação, como relacioná-la com o plano?
Lima – O problema é confundir plano de carreira de cada um com necessária avaliação do processo educacional. Ao misturar, cai na linha de produção e metas, do produtivismo. Avaliação e plano devem ser dissociados. A comunidade, o grupo de estudantes, a vivência escolar deve ser significativa, estudantes não podem sair da maneira como entraram, a escola deve produzir conhecimento. A avaliação virou coqueluche da educação, inventam índice, estabelecem metas e as buscam. A experiência na escola é muito mais complexa e viva que isso.
Vivemos avalanche das ideias de avaliações externas por provas de múltipla escolha, não só no Brasil, mas internacional, no entanto, os processos de avaliação são muito pouco formulados ainda. E o próximo passo é incorporá-la ao plano de carreira, medir qualidade a partir das notas que escola alcança. É um problema.
Com a realidade escolar que temos hoje, é difícil pensar em modelo de avaliação, pois há uma estrutura fechada pela ideia da imposição, do mérito. No fundo o que está em questão é a contenção orçamentária.