1. Políticas neoliberais de punição e humilhação
“Humilhar é mais que odiar. A humilhação consiste em expor ao ridículo tanto quanto possível.”
(Herbert Nier Koughron)
Se não bastasse a hecatombe educacional promovida pelas seguidas gestões tucanas à frente da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), o que mais poderia vir das cabeças esquizofrênicas de seus irresponsáveis gestores? O primeiro passo foi empurrar a culpa no passado (responsabilizar outras gestões é coisa desta bela natureza eleitoreira). Depois, responsabilizar escancaradamente o professor pelo estágio de metástase em que se encontra o fosso educacional. Agora, a próxima etapa é unir a pirotecnia marqueteira e a humilhação total do profissional da educação. Bravo!
A política tucana de humilhação do funcionalismo público não é gratuita. No seu cerne busca sustentar uma ideologia de desmonte do Estado e tem grande suporte na mídia neoliberal. Logo, o governo Serra, por via do seu amigo e secretário de educação, Paulo Renato de Souza, tira do bico tucano um magistral e midiático “Plano de Carreira do Magistério”. Possivelmente é o projeto mais ordinário dos últimos tempos feito pelo poder público para desmobilizar, estrangular e, por fim, destruir uma categoria de trabalhadores. E não se trata de apenas eclodir meros jargões políticos. Este processo merece muita atenção diante da condição de “assédio moral” que vem sofrendo a categoria docente.
Em que consiste mais esta nova maldição imposta pelo governo tucano de José Serra? Há uma estratégia bem definida e razoavelmente amarrada que consiste na falácia do discurso da meritocracia, impregnado de políticas neoliberais. Para seus defensores, a meritocracia separa de forma bem simplificada o “joio” do “trigo”. Logo, os “bons” seriam premiados e as “maçãs podres”, punidas. A meritocracia é o elogio ao “status” e somente as pessoas outorgadas com a “condição superior” que, exclusivamente, serão dignas dos louros e holofotes. Como assinala um aforismo de Allain de Boton, sobre o caráter da estratificação na sociedade meritocrática: “os ricos é que são úteis e não os pobres”. Ou de outra maneira mais sintética e popularmente narcísea, “se eu consegui com meu ‘esforço’, por que o outro também não conseguiu?”. A meritocracia dentro de uma categoria profissional, além de fazer uma clivagem corrosiva dentro dos seus quadros, alicerça uma condição avassaladora de hostil competição entre seus membros. Inevitavelmente, os resultados são desastrosos para quem emprega a política do código babilônico de Hamurabi, sinalizado pelo clássico aforismo “olho por olho, dente por dente”.
Pelo PLC 29/09 lançado pelo governo Serra e aprovado pela Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) no final de outubro passado, os professores efetivos e estáveis serão submetidos a diversas provinhas mediante uma rocambolesca quinquilharia de regras e pré-condições básicas intercaladas por “faixas de promoção”. Para fazer propaganda em épocas pré-eleitoreiras, o governo Serra, em conjunto com a grande mídia, estampou nos quatro cantos que “um professor com curso superior poderá chegar a um salário final de R$ 6.270 (242% acima do piso), se conseguir atingir a quinta faixa. Se não conseguir as boas colocações nos exames, chegará a R$ 3.181 (73% acima do valor inicial)” (Folha de S. Paulo, 21/10/2009).
Logo, não seria difícil para a população concluir de forma abrupta que a classe dos professores dos seus filhos é bem afortunada e ao mesmo tempo “vagabunda” e responsável pela péssima qualidade de educação. Iludidos pela campanha midiática do governo Serra, não é estranho que alguns grupos de pais que se dizem “preocupados com a educação dos filhos” se manifestem de forma agressiva e alienada contra os professores. Vale lembrar que o piso nacional é menos de dois salários mínimos mensais para uma jornada de quarenta horas semanais. E no caso dos professores da rede pública da SEE-SP, o valor do salário-base (sobre o qual que incide cálculos previdenciários) é aproximadamente o mesmo para uma jornada básica pouco inferior a 30 horas semanais.
Na ocasião, esta fábula salarial prometida pelo governo foi estampada e anunciada em primeira página em todos os jornais de grande circulação de São Paulo, sem o menor questionamento das “regrinhas” no mágico plano da dupla Serra/Paulo Renato. Infelizmente, o senso crítico nem sempre é regra da prática docente, e sim o estéril mimetismo do “dador de aulas” (resultado de anos da massiva política do aneurisma fascista tucano para a Educação Básica). Muitos professores aplaudiram entusiasticamente o plano, como sendo a mítica “pedra da roseta” de sua convalescida profissão.
Todavia, com a timidez e indiferença omissa dos sindicatos da categoria (notadamente a APEOESP, uma vez que o CPP é apenas um sindicato patronal de fachada e administrador de “colônias de férias”), que não se mobilizaram ferrenhamente contra o projeto, grande parte dos professores não entendeu que, para ganharem os supostos miraculosos salários para quitarem seus carnês das Casas Bahia, precisam estar dentro de um rol de 25% dos supostos “bem avaliados da rede estadual” dentre os professores que se sujeitarem servilmente a fazerem a tal provinha.
Referências bibliográficas (reunião das quatro partes):
BOTTON, Allain de. Desejo de status. São Paulo: Rocco, 2005.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Centauro, 2004.
MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
PLEKHANOV, Giorgui V. O papel do indivíduo na história. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
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Wellington Fontes Menezes é professor da rede pública.