Drama explora contradições da independência argelina

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SÃO PAULO (Reuters) – Francês de origem argelina, o cineasta e roteirista Rachid Bouchareb reabre mais uma vez as malcuradas feridas da independência argelina no drama “Fora da Lei”, estreando em São Paulo e Rio de Janeiro.

A identidade argelina, aliás, é um tema recorrente em sua obra, em que se destaca “Dias de Glória”, que abordava outra dívida histórica com os argelinos e seus descendentes que lutaram pela França na II Guerra Mundial mas continuaram sendo discriminados no país.

Concorrente à Palma de Ouro em Cannes em 2006, “Dias de Glória” obteve ali um prêmio coletivo de interpretação masculina.

“Fora da lei” pisa em terreno bem mais minado, até porque não trata apenas de disparar munição crítica contra os crimes dos colonizadores franceses – o que certamente faz, especialmente no retrato do chamado massacre de Sétif, em 1945.

A reconstituição do massacre, que teria custado a vida de milhares de argelinos (as cifras variam de 2.500 a 45.000, dependendo das fontes) e em torno de 100 europeus, é um dos principais motivos de um boicote ao filme, promovido por deputados da direita e extrema-direita francesa, caso de Lionnel Luca e do notório Jean-Marie Le Pen.

Luca, aliás, participou de uma barulhenta passeata, reunindo ex-veteranos da guerra da Argélia e moradores de Cannes (reduto eleitoral dos partidos com programas de restrição a imigrantes estrangeiros), que passou por aquela cidade bem na hora da primeira sessão de “Fora da lei” no festival de 2010, em que o filme concorreu à Palma de Ouro.

Nenhum dos políticos ou desses manifestantes havia então assistido ao filme – o que se tornou o primeiro argumento de defesa do diretor, em sua entrevista coletiva em Cannes.

Ele lembrou que sua obra anterior, “Dias de Glória”, havia sido tachada de “antifrancesa” na época, por pessoas que não a haviam visto.

Bouchareb sustentou na época que sua intenção “não foi criar discórdia e sim abrir espaço para um debate que possibilite que possamos amanhã virar esta página”.

Um olhar mais sereno sobre o filme, que acompanha as vidas de três irmãos (Sami Bouajila, Roschdy Zem e Jamel Debbouze) , que são drasticamente mudadas pelo engajamento de dois deles na militância a favor da FLN (a frente pró-argelina), deixa claro que o retrato dos guerrilheiros argelinos não é sempre edificante.

Ou seja, o diretor consegue matizar as nuances de sua história, fugindo do maniqueísmo.

Por mais que humanize esta família central e justifique a adesão inicial dos argelinos a favor de sua causa, bem cedo se expõe a impiedade dos militantes, promovendo atentados e matando todos aqueles que se opõem às suas diretrizes. Inclusive os próprios irmãos.

Se “Fora da lei” tem uma agenda politicamente correta, é a de reafirmar a dignidade dos pied noirs – como são chamados os argelinos e seus descendentes, um grupo onde figura o escritor Albert Camus.

A onda de criticismo que se levantou na direita francesa, no entanto, tem mais a ver com um tipo de nacionalismo exacerbado, que não admite ver os franceses retratados como colonizadores impiedosos, capazes de cometer massacres de civis e tortura – o que se trata de História, não difamação, e já foi objeto de outro filme, aliás, um clássico do cinema político, “A Batalha de Argel” (1966), do italiano Gillo Pontecorvo.

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Fonte: Reuters/Cineweb