Rio de Janeiro – Ignorados pelo poder público, os repetidos alertas vindos de organizações do movimento socioambientalista brasileiro sobre os perigos que envolviam o projeto de construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) no Rio de Janeiro começam a se concretizar. Anunciada como uma das locomotivas do novo ciclo de crescimento vivido pela economia do estado, a megasiderúrgica comandada pela transnacional de origem alemã ThyssenKrupp produziu sua primeira chapa de aço no dia 7 de setembro deste ano, mas já coleciona irregularidades ambientais suficientes para fazer com que o governo do estado admita paralisar seus alto-fornos e não conceder a licença definitiva da usina, que estava prevista para fevereiro.
O mais recente acidente provocado por uma falha de operação da CSA aconteceu no domingo (26), quando diversas localidades do bairro de Santa Cruz, na zona oeste do Rio, amanheceram cobertas por uma camada de fuligem de cor esbranquiçada. O mesmo tipo de falha – ocorrida, segundo a empresa, por um defeito no guindaste que alimenta o alto-forno da usina com ferro-gusa – já havia acontecido em julho deste ano. O problema teria obrigado a empresa a descartar o ferro-gusa em poços de emergência, fato que provocou o vazamento da fuligem.
No mês seguinte à primeira ocorrência, a CSA foi multada em R$ 1,8 milhão pelo governo por não ter informado o problema em seu alto-forno ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão de fiscalização ambiental vinculado à Secretaria Estadual do Ambiente. Apesar da falta grave, a CSA obteve junto ao Inea a licença prévia para começar a operar. Antes mesmo da concessão da licença definitiva, no entanto, a empresa volta a falhar e, desta vez, pode pagar um preço mais alto.
Em uma reunião com dirigentes da CSA realizada na terça-feira (28), a Secretaria Estadual do Ambiente deu à CSA um prazo de 30 dias, a contar de 27 de dezembro, para que a empresa encontre uma solução definitiva para o problema da poluição ambiental. Até lá, a usina terá que operar, no máximo, com 70% de sua capacidade: “Temos de dar um prazo à empresa para que tente resolver os problemas, mas, na situação atual, não poderemos conceder a licença definitiva”, adianta a secretária Marilene Ramos, que deixará o cargo no início de 2011 para a volta do antigo titular da pasta, o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc.
Do futuro secretário, a julgar pelas suas últimas declarações, a CSA também não deverá esperar vida fácil: “Se fosse no país deles, na Alemanha, essas lambanças em série já teriam levado os representantes da ThyssenKrupp para a cadeia”, disse Minc. O ex-ministro já criticara a ThyssenKrupp ao afirmar que a empresa “possui tecnologia de primeiro mundo, mas utiliza no Brasil um sistema operacional de quarto”. Minc também adiantou que a nova multa imposta à empresa, “devido à sua reincidência”, terá um valor “muitas vezes superior” à multa aplicada em agosto.
Ação penal
Não se sabe se os representantes da ThyssenKrupp serão presos, mas a 2ª Vara Criminal de Santa Cruz instaurou em 13 de dezembro uma ação penal para apurar as supostos crimes ambientais da CSA. A ação responsabiliza dois executivos da empresa – o diretor de projetos Friedrich-Wilhelm Schäfer e o gerente ambiental Álvaro Boechat – e foi provocada por uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual.
Segundo a promotoria, a CSA cometeu diversos crimes ambientais, alguns de forma reiterada, sendo o principal deles o despejo de toneladas de ferro-gusa em poços a céu aberto que não haviam sido licenciados pelo Inea. Para embasar sua denúncia, o MP Estadual apresentou os resultados de um estudo feito pela UFRJ demonstrando um aumento de 600% nas partículas de ferro presentes no ar no entorno da usina.
Auditoria
O acordo firmado com o governo estadual prevê a realização de uma auditoria ambiental independente na CSA, a ser efetuada por uma empresa ainda a ser definida: “A auditoria tem que ficar pronta, nem que tenhamos de pedir ajuda ao governo alemão”, disse Marilene Ramos em entrevista publicada terça-feira (28) no jornal O Globo. A secretária, no entanto, já descartou a escolha de uma empresa alemã para evitar conflitos de interesse.
Marilene afirmou ainda que “ninguém pode dizer que o problema não voltará” e que existe “alguma incompatibilidade ou falha de projeto que espalha fuligem sempre que o poço de emergência é acionado”. A CSA divulgou uma nota afirmando que, apesar do vazamento, a empresa “não cometeu qualquer violação dos padrões legais da qualidade do ar” e que “assegura que em momento algum expôs a saúde da população de Santa Cruz a riscos”.