Essa foi uma das falas de desabafo da professora Edileide Maria Barrozo que foi ouvida nesta quinta-feira, 02, na segunda audiência do processo administrativo do qual é vítima. Ela está sendo processada pela Secretaria Municipal de Educação de Aracaju – SEMED por se recusar a adotar o material didático do Programa Alfa e Beto.
Por exercer a autonomia docente, garantida pela legislação, Edileide e outras professoras estão sendo acusadas de sabotadoras do serviço público. “Que eu saiba a sabotagem é quando você prejudica, mas só estou exercendo o meu direito como educadora. Tenho 27 anos como educadora e me recuso a adotar um material didático que tem cunho racista e preconceituoso. Isso sem contar que ele não ajuda na aprendizagem dos alunos. É só decorar os fonemas e letras”, denunciou. Edileide é professora na Escola Municipal de Ensino Fundamental Letícia Soares de Santana, localizada no bairro Santos Dumont.
A professora recebeu apoio da Central Única dos Trabalhadores de Sergipe que contou com a presença de membros da direção da central, dirigentes do SINTESE, do Sindipema (Sindicato dos Profissionais do Ensino do Município de Aracaju), Sintufs (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Sergipe), Sindijor (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Sergipe) e também da deputada estadual e ex-dirigente cutista, Ana Lúcia. Edileide é dirigente da CUT/SE e também do SINTESE.
Dinheiro público desperdiçado
Professores da rede municipal de Aracaju conta que o material não faz parte do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD e que sequer foi avaliado pelo Ministério da Educação. Os livros do PNLD são enviados diretamente para os estabelecimentos de ensino sem nenhum custo para a Prefeitura de Aracaju.
“Utilizar um material didático preconceituoso, racista e sexista é banalizar a violência e não queremos isso para os estudantes das escolas públicas de Aracaju. Não é essa a educação que queremos. Precisamos discutir a Educação em Aracaju de forma séria e com a participação de todos”, disse Ana Lucia Castro, dirigente da CUT/SE e professora da rede municipal de Aracaju.
A dirigente do SINDIPEMA, professora Maria Pureza Santos Rosa, relatou que desde a posse do prefeito João Alves, foi implantado um clima de terror nas escolas com a sabotagem da Gestão Democrática e fim da autonomia do professor em sala de aula. “O diálogo da secretária de Educação Márcia Valéria com os professores de Aracaju é: inquérito administrativo. Essa é uma forma clara de amedrontar e submeter os professores ao projeto que a Prefeitura está implantando de forma completamente antidemocrática. O clima de perseguição agora faz parte do cotidiano dos professores de Aracaju, por isso todo apoio aos educadores é importante”, avaliou. O sindicato já entrou com representação do Ministério Público.
Silêncio do MP
A CUT/SE estranha o silêncio do órgão sobre a situação. “O Sindipema já entrou com uma representação no Ministério Público e até agora os docentes da rede municipal de Aracaju não obtiveram resposta. É preciso que o órgão se pronuncie sobre o assunto, igual ao que fez o Ministério Público da Bahia que solicitou, inclusive, a devolução dos recursos utilizados para a compra do material”, aponta Roberto Silva dos Santos, vice-presidente da CUT/SE.
Os dirigentes do SINTESE que estiveram no ato também repudiaram a ação contra as professoras. “É vergonhoso ver o que a Prefeitura de Aracaju está fazendo com essas professoras que decidiram exercer sua autonomia docente”, aponta Ubaldina Fonseca Moreira.
Material reprovado por pais
Pais de alunos também reprovam o material. Gildo Alves Bezerra tem filhos (um no pré-escolar e outro no segundo ano do ensino fundamental) estudando em escolas da rede municipal de Aracaju e conta que o material além de ter conteúdo preconceituoso e racista também é cheio de erros. “Minha esposa é pedagoga e sempre me relata sobre os problemas do material didático, há erros grosseiros de ortografia e também no livro de matemática. O professor que se nega a utiliza-lo está correto”, avalia.
Estudo denuncia fragilidades
O material do Programa Alfa e Beto já foi tema de estudo das professoras da Universidade Federal de Sergipe, Sônia Meire de Jesus e Lianna Torres. No livro “Política Pública de Educação para as Séries Iniciais – Estudo sobre os Programas Alfa e Beto, Se Liga e Acelera nas Escolas da Rede Estadual de Sergipe” publicado em 2008 as professoras, após analisar o material didático, falar com docentes e buscar o referencial teórico chegaram as seguintes conclusões:
“Os programas Alfa e Beto, Se Liga e Aceleram não levam em conta os estudos da Linguística e Sociolinguística. A prática da escrita e da leitura não ultrapassa a artificialidade do uso da linguagem na sala de aula, não garante o domínio efetivo da língua padrão e suas modalidades oral e escrita. Identifica-se uma concepção de alfabetização de ensino e aprendizagem mecânica, fragmentada, hierarquizada, que nega ao aprendiz a reflexão sobre a sua aprendizagem”
Em outro trecho do livro as professoras criticam a falta de conexão com a escola. “As atividades propostas não estão implicadas com o projeto pedagógico da escola e dos fundamentos do currículo”.
“A forma como o Alfa e Beto, Se Liga e o Acelera se apresentam não leva em conta que a criança para aprender a ler em que apropriar-se do sistema fonológico e ortográfico para, através de um processo sistemático, aprender a ler e a escrever usando textos reais e não ‘acartilhados’”.
Professoras Perseguidas
Em Aracaju, além da professora Edileide Maria, a professora Maria Elba da Silva, ex-presidente do SINDIPEMA, que também se recusou de aplicar o Programa Alfa & Beto em sala de aula, é vítima de inquérito movido pela administração de João Alves Filho que pede sua demissão.
No mês passado, pelo mesmo motivo, a Prefeitura de Aracaju suspendeu o salário de dezembro e o pagamento do 13º às professoras da Escola Municipal José Garcez Vieira, situada no bairro Siqueira Campos, Adjane Lima de Souza e Márcia Aparecida. Contando com o apoio da assessoria jurídica do mandato do vereador Iran Barbosa (PT), que ingressou com ação na Justiça em defesa da autonomia profissional do magistério municipal, garantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, o salário das professoras foi devolvido.
De acordo com o advogado Thiago Oliveira, a professora Edileide tem até a próxima segunda-feira, 06, para arrolar até três testemunhas de defesa. Após ouvi-las a Comissão de Inquérito irá proferir a decisão.