Quem foi ontem (26), de automóvel, a algum dos shoppings da capital sergipana (Riomar e Jardins), e passou mais de vinte minutos no local, teve que pagar a taxa de R$ 4,00 pelo uso do estacionamento. A medida vale tanto para comerciantes que trabalham nas lojas dos shoppings quanto para os que vão comprar, passear, assistir a filmes, etc…
A decisão de cobrar pelo uso dos estacionamentos é um desejo antigo dos empresários, mas foi anunciado somente no final da última semana. Os donos dos estabelecimentos argumentam que a medida serve para disciplinar o uso dos pátios de veículos.
Ainda no final da semana passada, o prefeito Edvaldo Nogueira afirmou publicamente que os shoppings não eram maiores que a lei e que, portanto, não haveria cobrança alguma. Parece que o prefeito da capital estava errado ou não foi levado a sério, já que os shoppings iniciaram a cobrança, desrespeitando a lei municipal 3.348, de 30 de maio de 2006, que proíbe a prática de cobrança por uso de estacionamentos em estabelecimentos como shoppings centers e faculdades.
Se não são maiores que a lei, como disse o prefeito, é fato que os shoppings detêm um grande poder na capital sergipana. Assim como os empresários de ônibus e os proprietários das construtoras, os donos dos shoppings são antigos e grandes financiadores de campanhas eleitorais. E, como sabemos, empresário quando financia algo, quer algo em troca. Então, chegou a hora de cobrar.
Não adianta o prefeito se manifestar agora, porque esse é um problema que só se resolve de uma forma: atacando na raiz. E a raiz só será cortada com uma reforma política que vete o financiamento privado das campanhas eleitorais. Só assim acaba esse “uma mão lava a outra” entre políticos e empresários, onde os ônus ficam somente para a população.
Mas, sem desconsiderar a gravidade e a importância deste tema, o objetivo deste artigo é refletir sobre outra questão.
O início da cobrança pelo uso do estacionamento dos shoppings gerou uma série de movimentações na sociedade sergipana. Telejornais das principais emissoras de TV e jornais impressos da capital discutiram a situação com afinco. Pelas redes sociais, centenas (ou milhares) de pessoas demonstraram descontentamento com a cobrança. Também pela internet foram articulados diversos “boicotes” aos shoppings. Durante todo o dia de ontem, fotos das praças de alimentação e dos estacionamentos dos shoppings circularam pela internet demonstrando que, em algum grau, uma parcela aderiu aos “boicotes”.
Segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Aracaju tem uma média de um carro para cada três habitantes. Por outro lado, basta uma rápida olhada nas principais linhas e terminais de ônibus da cidade para perceber que muita gente utiliza o transporte coletivo que, diga-se de passagem, é um caos.
Esses dados revelam que Aracaju é, sim, uma cidade desigual. De um lado, poucos portando vários automóveis na garagem, quando não um veículo para cada membro da família. De outro, a classe trabalhadora, o povo pobre, sendo esmagado e transportado como coisa pelos ônibus velhos e quebrados que circulam pela cidade.
Pois bem, esses “boicotes” aos shoppings da capital, certamente, são organizados por essa parcela da população que tem o seu automóvel próprio. Afinal, é essa turma que tem o seu status abalado pela cobrança de estacionamento. Legítimo. Cada um reivindica aquilo que lhe aflige. E, no capitalismo, onde o individualismo é exacerbado, cada um quer apenas pelo seu. Legítimo também porque a cobrança só ajuda a engordar os lucros dos donos dos shoppings, mesmo se tratando de um espaço público.
Mas, não dá pra deixar de provocar essa parcela da população neste momento e falar que já poderíamos ter boicotado os shoppings da capital por outros motivos, mais problemáticos do que qualquer tarifa de estacionamento.
Motivos que, certamente, preocupam a outra ponta da população – que é a classe trabalhadora, o povo pobre – mas que, ao menos, deveriam sensibilizar a classe média.
Citarei dois fatos recentes – ambos ocorridos no Shopping Jardins – que poderiam ser motivadores para boicote real aos shoppings.
11 de fevereiro de 2012 (sábado): Nas dependências do Shopping Jardins, onde foi retirar dinheiro para o sustento da sua família, o trabalhador Leidison Reis dos Santos, de 39 anos, foi assassinado. A declaração de óbito do Instituto Médico Legal revelou que Leidison teria sofrido fratura na coluna cervical e insuficiência respiratória aguda.
Leidison, que era negro, muito provavelmente, foi mais uma vítima de racismo, já que, social e historicamente, não foi determinado ao negro passear num shopping center numa noite de sábado. Logo, era “suspeito”.
12 de outubro de 2012: No Dia das Crianças, um segurança do shopping Jardins estuprou uma adolescente de 14 anos, além de registrar imagens de suposta prática sexual entre a adolescente e o seu namorado, também adolescente.
Depois de indiciado e preso pela Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis, o segurança foi solto pela Justiça sergipana.
Esses foram apenas dois exemplos de práticas criminosas que continuam acontecendo pelo Brasil afora e, como os ocorridos aqui em Aracaju, seguem impunes: o assassinato em série da população negra e pobre, e o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
Não só os seguranças envolvidos nos crimes deveriam ser punidos, mas o Shopping Jardins, que contrata, orienta e forma a sua equipe, é também responsável direto pelos fatos.
Então, fica a pergunta. Quando aconteceram esses casos, onde estava essa parcela da população que organiza os “boicotes” aos shoppings pela cobrança de estacionamento? Estava cuidando da sua própria vida? Comprando algo no shopping? Ou pensando em trocar o carro semi-novo pelo carro do ano?
Para mim, esses, sim, são dois motivos para boicote real aos shoppings de Aracaju.
Paulo Victor Melo, jornalista