Efeitos maléficos nos produtos manufaturados
A indústria de calçados é uma das que mais sente o impacto do conservadorismo na área cambial. Mesmo tendo exportado 129,5 milhões de pares de sapatos até novembro passado, a tendência é de retração. Segundo Heitor Klein, presidente da Abicalçados, a exportação reflui e o mercado interno sofre maior concorrência, principalmente dos produtos chineses. “Em 2010, exportamos US$ 1,4 bilhão; em 2008, US$ 1,8 bilhão. Perdemos, em dois anos, US$ 900 milhões”, explica Klein.
Nesta semana, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) divulgou que o déficit comercial dos produtos manufaturados chegou a US$ 70,9 bi em 2010, alta de 95% sobre 2009. As importações cresceram 45%, contra 18% das exportações. Até quem não exporta sente o baque da política cambial. É o caso do setor de embalagens. Segundo Maurício Groke, presidente da Abre, o mercado está sendo invadido por produtos estrangeiros devido à desvalorização artificial do dólar. A importação subiu 57%.
EUA deflagram destrutiva guerra cambial
Este perigoso desajuste decorre do cambio flutuante, ao sabor do deus-mercado, implantado no governo FHC e mantido por Lula, e agravado agora pela “guerra cambial” deflagrada pelos EUA. Esta é um desdobramento da crise capitalista mundial que eclodiu em 2008. Para escapar do colapso econômico, os EUA decidiram desvalorizar a sua moeda e inundaram o mercado internacional com dólares. Desta forma, este império parasitário e decadente tenta conter as suas importações e aumentar as suas exportações.
O império ianque está pouco ligando para os estragos que provoca na economia internacional. Quer salvar a sua pele, reduzindo seus déficits, e dane-se o mundo. Para se defender, a China intensifica a concorrência e desvaloriza sua moeda, o yuan. Já o Brasil insiste em manter o tripé neoliberal da política macroeconômica, com juros elevados, arrocho fiscal e cambio flutuante. Quem ganha com esta orientação é a oligarquia financeira. Ganha com os juros, com o superávit e com a libertinagem cambial.
Ditadura financeira ganha com a libertinagem
Como explica o economista Pedro Rossi, pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, o que ocorre é uma “subordinação das trajetórias cambiais às decisões de agentes financeiros”. Ele lembra que o mercado mundial de moedas, conhecido como Forex (foreign exchange market), é o mais lucrativo do planeta. Nele são negociados em torno de US$ 4 trilhões por dia, segundo o Banco para Compensações Internacionais (BIS). Esse montante excede com folga as necessidades reais da economia: em 15 dias, o mercado de moedas transaciona o equivalente ao PIB mundial do ano todo.
É essa ditadura financeira que impõe o tripé neoliberal das políticas monetária, fiscal e cambial. Ainda segundo Pedro Rossi, ela é a maior interessada “nesta descolagem da trajetória das taxas de câmbio em relação aos fundamentos econômicos”. Os rentistas ganham com o câmbio flutuante e com a “guerra cambial”. Eles especulam no meio da desgraça. A chegada volumosa de dólares ao Brasil está associada, por um lado, aos ganhos elevados das taxas de juros e, por outro, à forte oscilação do câmbio.
Risco de desindustrialização do país
O governo brasileiro até agora se mostrou tímido diante desta “guerra das moedas”. Para evitar uma valorização ainda maior do real frente ao dólar, ele aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) duas vezes. Esta medida, porém, não conteve a gula dos especuladores. O dólar continua artificialmente em baixa, o que prejudica a economia nativa. Caso não sejam adotadas políticas mais duras, como o controle do câmbio e do fluxo de capitais, a tendência é a da desindustrialização do país.
Para o economista José Luis Oreiro, o Brasil precisa superar a sua passividade diante da agressiva guerra cambial. Ele observa que os EUA desvalorizam o dólar para aumentar a competitividade de suas exportações e, com isso, tentar sair da crise. Já a China, Tailândia e outros países tentam se defender com medidas para impedir ou reduzir a valorização das suas moedas. “Um terceiro grupo de países, incluindo os da América Latina – inclusive o Brasil –, têm sido passivos frente à desvalorização do dólar”.
Consenso entre os economistas
Em sua opinião, o Brasil deve adotar políticas radicais diante dessa conjuntura e desvalorizar a moeda nacional “para voltar a uma situação de mais competitividade da economia brasileira”. Entre as medidas, ele propõe o controle na entrada de todos os capitais estrangeiros e a redução das taxas de juros. “O Brasil não pode, neste contexto internacional, ter uma taxa de juros que é até oito vezes maior do que a que prevalece no restante do mundo”. Ele também propõe uma mudança de postura diante da China.
Essa opinião, com suas nuances, é compartilhada por inúmeros economistas. José Carlos Braga prega o imediato fim do tripé do câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. “É um triângulo de ferro mortal. A política cambial é homicida do nosso desenvolvimento… [O governo] tem que chamar a banca privada para negociar o seu engajamento num projeto nacional de desenvolvimento. Precisa dar um basta nessa moleza de ficar faturando com a dívida pública”.
Bresser Pereira é taxativo: “O Brasil só terá novamente altas taxas de crescimento econômico quando voltar a administrar as taxas de câmbio”. Paulo Nogueira Batista Jr. detona a atual política cambial: “A produção nacional perde espaço no mercado interno para as importações de bens e serviços, ao mesmo tempo em que a maior parte das exportações se torna pouco competitiva nos mercados externos”.
Luiz Gonzaga Belluzzo complementa: “Com um câmbio excessivamente valorizado, a atividade de empresas que fabricam produtos de maior valor agregado e geram empregos de maior qualificação pode ser duramente atingida”. E o economista Yoshiaki Nakano lembra uma velha lição de Mario Henrique Simonsen, que dizia que “inflação aleija, câmbio mata”.