No jornalismo há algumas linhas bem tênues, que por conta dessa condição são extremamente perigosas. Uma delas é a que separa de um lado a condição humana do humano profissional, isto é, o subjetivismo, a passionalidade e os inúmeros preconceitos que carregamos e, do outro, o compromisso com o dever da verdade, com o relato mais objetivo dos acontecimentos, com o interesse público. Jornalismo é uma atividade humana e esta afirmação por si só indica toda sua complexidade.
Na cobertura de eventos dramáticos essa linha imaginária é submetida a uma prova de fogo. As cargas emocionais em jogo são tão significativas que a informação fica inevitavelmente contaminada pelos sentimentos pessoais, passionais. Muitos profissionais, por exemplo, têm dificuldades de lidar com ambientes carregados de emoção. A depender do grau de tensão, o envolvimento deles altera a abordagem dos fatos de uma forma que transforma, muitas vezes, o repórter em notícia.
Mas a emoção seria um problema ao jornalismo? Há como cobrir eventos dramáticos sufocando emoções do eu-repórter? Não, em grande medida, não. O problema não está na emoção, mas está na substituição da informação pela emoção. O pior: a exploração mercantil da emoção, conscientemente ou não. Como já dito, a linha que separa a razão da emoção é muito tênue e a emoção elevada a um grau a mais do razoável, do esperado, pode ganhar contorno de exagero, empurrando o jornalismo para o sombrio pântano do sensacionalismo.
O jornalista que se emociona numa cobertura dramática está a vivenciar sua condição humana e isso compreensível. Já o sensacionalismo se apresenta quando essa emoção é canalizada para impactar a audiência, para promover o repórter, para a empresa atrair mais audiência e vendê-la aos seus anunciantes, auferindo lucros. Isso não é natural. Jornalistas mais treinados nos objetivos empresariais, por exemplo, nem desenvolvem mais emoções. Eles já sabem selecionar e preparar um ambiente narrativo que atrai e impacta a audiência, sem envolvimento emocional nos casos.
Na cobertura da morte do governador de Sergipe Marcelo Déda muitos veículos de imprensa, além de um despreparo hitórico-crônico – muito por culpa empresarial – esqueceram sua função primordial: informar. Mesmo compreendo-se, em certa medida, a emoção que o acontecimento causou – a dramaticidade era latente -, a informação é a matéria prima do jornalismo e, não deve, em hipótese nenhuma ser apagada, desfigurada, substituída.
Infelizmente muito do que se viu e ouviu passou pelo sensacionalismo, onde o valor não estava na informação, mas na emoção com objetivo de auferir os mais variados dividendos. É claro que isso atende a outros interesses, entre eles um processo de construção mítica da personagem em questão.
Em coberturas sensacionalistas não interessa informar que alguém morreu, isso é detalhe de segunda ordem. O que importa é pegar, registrar, divulgar o choro, a dor, os sentimentos, as frases de efeito. Não é informar o mais objetivamente os fatos, o local, a data, a hora, os nomes, mas revelar fatos de bastidores que ganham ares de extraordinário. É contar os detalhes mais desprezíveis do ponto de vista da informação que em nada acrescenta, mas que pode provocar mais dor e suscitar outros sentimentos. Em razão de uma suposta concorrência entre meios, ganha quem mais promove intensamente a dor alheia e a exploração da intimidade e da cumplicidade. Faz parte disso ainda o repetitivo e enjoativo discurso comercial de exclusividade, de primeira mão, de que chegou primeiro e fez mais.
O sensacionalismo é um desvio ético, condenado pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (Fenaj, 2007), porque representa o oposto ao jornalismo; porque se aproveita das fragilidades racionais e emocionais do público para explorar comercialmente a dor e outros sentimentos, não respeitando, muitas vezes a intimidade das fontes. Não há inocência no sensacionalismo. Além de auferir lucros vendendo o público, ele também pode ser usando como ferramenta política para manipular gente através da emoção.
Como uma longa novela de péssima produção, o sensacionalismo visto na cobertura de parte da imprensa da morte do governador Marcelo Déda ainda tem muitos capítulos que serão escritos até as eleições do próximo ano, revelando os mais variados interesses políticos sujos, mesquinhos e hipócritas. Oxalá esteja completamente equivocado!